quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Poema dos Olhos da Amada - Vinicius de Moraes


Oh, minha amada

Que os olhos teus

São cais noturnos

Cheios de adeus


São docas mansas

Trilhando luzes

Que brilham longe

Longe nos breus



Oh, minha amada

Que olhos os teus

Quanto mistério

Nos olhos teus


Quantos saveiros

Quantos navios

Quantos naufrágios

Nos olhos teus



Oh, minha amada

Que olhos os teus

Se Deus houvera

Fizera-os Deus

Pois não os fizera

Quem não soubera

Que há muitas eras

Nos olhos teus



Ah, minha amada

De olhos ateus

Cria a esperança

Nos olhos meus

De verem um dia

O olhar mendigo

Da poesia

Nos olhos teus.

Soneto da Fidelidade _ Vinicius de Moraes


Catarina Furtado - Soneto da Fidelidade from Ricardo Barros Espírito Santo on Vimeo.



De tudo, meu amor serei atento

Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto

Que mesmo em face do maior encanto

Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento

E em seu louvor hei de espalhar meu canto

E rir meu riso e derramar meu pranto

Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure

Quem sabe a morte, angústia de quem vive

Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor ( que tive ) :

Que não seja imortal, posto que é chama

Mas que seja infinito enquanto dure.

”O Campo Remoto”- Theodore Roethke



Aprendi a não temer a infinidade,


O campo remoto, os penhascos ventosos do para sempre,

A morte do tempo na luz branca do amanhã,

A roda girando para longe de si mesma,

O espraiar da onda,

...A água que sobe.



 in “Poemas Coligidos”(no original: THE COLLECTED POEMS - Garden City, NY: Doubleday, 1966 - p. 200.)

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Desfolhada _ Ary dos Santos



Corpo de linho

lábios de mosto

meu corpo lindo

meu fogo posto.

Eira de milho

luar de Agosto

quem faz um filho

fá-lo por gosto.


É milho-rei

milho vermelho

cravo de carne

bago de amor

filho de um rei

que sendo velho

volta a nascer

quando há calor.


Minha palavra dita à luz do sol nascente

meu madrigal de madrugada

amor amor amor amor amor presente

em cada espiga desfolhada.


Minha raiz de pinho verde

meu céu azul tocando a serra

oh minha água e minha sede

oh mar ao sul da minha terra.


É trigo loiro

é além tejo

o meu país

neste momento

o sol o queima

o vento o beija

seara louca em movimento.


Minha palavra dita à luz do sol nascente

meu madrigal de madrugada

amor amor amor amor amor presente

em cada espiga desfolhada.


Olhos de amêndoa

cisterna escura

onde se alpendra

a desventura.

Moira escondida

moira encantada

lenda perdida

lenda encontrada.

Oh minha terra

minha aventura

casca de noz

desamparada.

Oh minha terra

minha lonjura

por mim perdida

por mim achada.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

O Poeta - Fernando Pessoa


"O poeta é um fingidor, finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente"


Fernando Pessoa

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Insensatez - Tom Jobim



A insensatez


Que você fez

coração mais sem cuidado

Fez chorar de dor

o seu amor um amor

tão delicado

Ah porque você

foi fraco assim

assim tão desalmado

Ah, meu coração

quem nunca amou

não merece ser amado

Vai meu coração

ouve a razão

usa só sinceridade

Quem semeia vento,

diz a razão,

colhe sempre tempestade

Vai meu coração


pede perdão


perdão apaixonado


Vai porque quem não


pede perdão


não é nunca perdoado

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Cante Jondo, Sophia de Mello Breyner



Numa noite sem lua o meu amor morreu

Homens sem nome levaram pela rua

Um corpo nu e morto que era o meu.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Não me importo de dormir ao relento entre as tuas mãos



"Amo o caminho que estendes por dentro das minhas divisões.

Ignoro se um pássaro morto continua o seu voo

Se se recorda dos movimentos migratórios
...

E das estações.

Mas não me importo de adoecer no teu colo

De dormir ao relento entre as tuas mãos."

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Nada -Zulmira Bento


Antes a brancura inerte da ausência
E a verdade plana do nada
Do que a vida morta do retrato
ou a cicratiz funda da memória.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Legenda -Fernanda Botelho


Como quem sente
na legenda do presente
o fim duma história breve,
vou vivendo um sonho intacto
num pesadelo crescente
- uma luz fecunda e leve
nos olhos pardos de dum gato.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Explode Coração - Luís Gonzaga Jr - (Voz: Maria Bethânia)



Chega de tentar dissimular
E disfarçar e esconder
O que não dá mais pra ocultar
E eu não posso mais calar
Já que o brilho desse olhar foi traidor e
Entregou o que você tentou conter
O que você não quis desabafar e me cortou

Chega de temer, chorar, sofrer
Sorrir, se dar, e se perder, e se achar
Que tudo aquilo que é viver,
Eu quero mais é me abrir
E que essa vida entre assim
Como se fosse o sol
Desvirginando a madrugada
Quero sentir a dor dessa manhã

Nascendo, rompendo, rasgando,
E tomando meu corpo e então eu
Chorando, sofrendo, gostando, adorando, gritando
Feito louco, alucinado e criança
Sentindo o meu amor se derramando
Não dá mais pra segurar
Explode coração.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Adeus e nem voltei - Madredeus

(Homenagem e adeus a um dos seus fundadores e grande violoncelista)




Adeus, dissemos

E nada mais de então ficou

De asas quebradas

Foi a ave branca que voou

Voa lá alto, que eu morro, bem sei, sem voltar

Cantem as aves do monte qu'eu fui ver o mar.. .



Ai,

Não sei de mim;

Ai,

Não sinto nada..

Ai,

E nem,

Voltei.

Asas - (original dos GNR, interpretada por Geninha Melo e Castro)




Asas sevem para voar

para sonhar ou para planar

Visitar espreitar espiar

Mil casas do ar



As asas não se vão cortar

Asas são para combater

Num lugar infinito

para respirar o ar



As asas são

para proteger te pintar

Não te esquecer

Visitar espreitar-te

bem alto do ar



Só quando quiseres pousar

da paixão que te roer

É um amor que vês nascer

sem prazo, idade de acabar

Não há leis para te prender

aconteça o que acontecer.

Em Flor - Zulmira Bento


Dá-me a Verdade Nua da noite
Condensada em rios festivos,
À porta de um céu que me chama!


Acolhe o caudal silencioso
Da Piscina azul dos Sonhos
No chão de um Campo em Flor!

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Deixem-me sonhar - António Arnaut


Deixem-me sonhar, à procura

dos sinais ocultos do caminho,

É nas asas do sonho que a loucura

faz o ninho.


Deixem-me ser livre como o vento

sem rumo nem compromisso.

O sonho é o lugar do pensamento

insubmisso.


in Outros Sinais, poema 17

Alheamento - Maria da Encarnação Baptista



Ando não sei por onde
tão longe e não me fixo!
Que asa me levou
e não tem descanso?
Ando não sei por onde
sem grade nem encanto.
E no entanto
não regresso nem fico.
......................................

in, Folhas de Poesia Távola Redonda, c. de 1950.

A Lenda de Uma Cigana - Mafalda Veiga



A lenda de uma cigana
Adormecida ao relento
Que perdeu a caravana
Por seguir o pensamento
Tem dias que anda pairando
Nos rumos do mundo
Tem dias que anda rolando
Nas presas do tempo.

Diz a lenda que a cigana
Pelo caminho onde viera
O xaile tinha perdido
E um vagabundo o trouxera
Sacudindo o pó e as mágoas
Como se a cor acordasse
Num abraço dançou com ela
Antes que o vento a roubasse.

Só o vento nos roda a saia
Só o vento nos faz dançar
Nos confunde os passos na areia
Muda o rumo às águas do mar.

No silêncio mal se ouviam
Dançar descalços na areia
Numa noite quase fria
Estava a lua quase cheia
E pra rasgarem o escuro
Ou fugir à solidão
Ataram corpos cansados
Na sombra vaga do chão.

Quando o sol entorna o dia
Ficara o xaile esquecido
E os passos da cigana
Já o vento tinha escondido
Ficou só o vagabundo
Resgatando uma ilusão
Com a alma amordaçada
Na palma da mão.

Só o vento nos roda a saia
Só o vento nos faz dançar
Nos confunde os passos na areia
Muda o rumo às águas do mar.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Quando Escondes a Cor - Rui Lopes (Buga)/ Projecto "O Rapaz Estranho"



- cfr. http://www.reverbnation.com/orapazestranho -


Não vou mexer meu bem,

Não vou ser o que mais queres

É nos teus olhos qu’eu vejo

O silêncio adormecer

Mais preciso mais,

Há qu’entender

que o vermelho do sangue

da ferida q’ não fecha,

derrama até morrer..

Desfeito em pedaços, a carne… meu ser!

Não vejo, quando escondes a côr.

Pois é eu fujo

Tem haver uma razão!

Qu’é negro o chão qu’eu piso

Vou da sombra à tua mão.

E mais.. preciso mais

Há qu’entender

Que o rosa da carne

Desperta o desejo,

Cega o meu corpo

Da côr que eu não vejo

Deixa-me nu e devora meu ser!

Não vejo, quando escondes a côr.

Teu corpo ofegante, a carne do ser!

Não vejo, quando escondes a cor, eu

Não vejo quando escondes a côr.


In CD "O Rapaz Estranho", lançado a 13 de Setembro de 2010, Projecto de Rui Lopes (Buga), Inês Ochôa e Renato Costa

Covilhã Cidade Neve - Nóbrega e Sousa (Voz Amália Rodrigues)




Covilhã cidade neve


Fiandeira alegre e contente

És o gesto que descreve

O passado heróico e valente



És das beiras a rainha

O teu nome é nome de povo

És um beiral de andorinha

Covilhã tu és sangue novo



De manhã quando te levantas

Que briosa vais para o tear

E os hermínios tu encantas

Vestem lã para te namorar



E o pastor nos montes vagueia

Dorme à noite em lençol de neve

Ao serão teces longa teia

Ao teu bem que de longe te escreve



Covilhã cidade flor

Corpo agreste de cantaria

Em ti mora o meu amor

E em ti nasce o novo dia



Covilhã és linda terra

És qual roca bailando ao vento

Em ti aura quando neva

Covilhã tu és novo tempo




Letra de Nóbrega e Sousa e música de Joaquim Paulo Gonçalves,
Em 1970, quando do centenário da Cidade da Covilhã, Amália Rodrigues gravou e imortalizou esta canção.

Bioco de névoas - Vitorino Nemésio

Foto de Menina do Alto da Serra.
Angra do Heroísmo vista da Serra da Ribeirinha 

















Hoje madruguei em Angra, a velha cidade açoriana ainda adormecida no seu bioco de névoas.
Não é o nevoeiro conhecido das nossas latitudes continentais europeias, nem o nevoeiro londrino, envolvente e raso ao solo, que refrange a luz a amarelo e se faz solidário com tudo.
É uma massa de vapor de água esparso em véus, que se ajeitam às formas arredondadas dos montes de pedra-pomes e se esparramam aqui e acolá em estratos – ora movediços, ora estáticos - compondo de repente uma espécie de campânula sobre a ilha.
Essa tampa de terrina tanto pode abafar-nos por uns dias como durar apenas uma manhã ou uma tarde - ou, ainda, resolver contrair-se e cobrir só um recanto do ambiente, e finalmente dissipar-se, deixando em seu lugar um amplo azul-celeste, cortado a tons de opala, que uma ou outra nuvem leitosa e meio esvaída vem manchar.

In, "O Corsário das Ilhas"

domingo, 12 de setembro de 2010

S. Miguel - Visão das Ilhas por Victor Rui Dores





Ah, a Lagoa deste Fogo de te amar até mais não! Ah, lagos e crateras deste desejo, ai fumarolas de eróticas fendas...


Tu, meu amor, és a respiração da terra! És as Sete Cidades do meu paraíso perdido! És a princesa encantada escondida no fundo das águas, emergindo nas noites de luar para tomar posse do teu reino!

Ilha verde que trago na lembrança. Parques feéricos e jardins do meu sonho. Ananás da ternura. Cozido no calor da terra. Chá da tradição. E tabaco do meu vício... Portas desta cidade Ponta Delgada. Doca e Avenida de ficar em terra a ver navios... E nevoeiro histórico de romeiros em devoção. E milagres do Senhor Santo Cristo. E um povo que trabalha e tem fome de sonho e sede de infinito...

Acredita, meu amor: nos abismos do teu mar flutuam atlântidas adormecidas, guardadas por peixes monstruosos e polvos de tentáculos colossais!

sábado, 11 de setembro de 2010

Saudade - Pablo Neruda




Saudade é solidão acompanhada,

é quando o amor ainda não foi embora,

mas o amado já...



Saudade é amar um passado que ainda não passou,

é recusar um presente que nos machuca,

é não ver o futuro que nos convida...



Saudade é sentir que existe o que não existe mais...



Saudade é o inferno dos que perderam,

é a dor dos que ficaram para trás,

é o gosto de morte na boca dos que continuam...



Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade:

aquela que nunca amou.


E esse é o maior dos sofrimentos:

não ter por quem sentir saudades,

passar pela vida e não viver.


O maior dos sofrimentos é nunca ter sofrido.

De tanto te pensar - Hilda Hilst




De tanto te pensar, me veio a ilusão.

A mesma ilusão

Da égua que sorve a água pensando sorver a lua.

De te pensar me deito nas aguadas

E acredito luzir e estar atada

Ao fulgor do costado de um negro cavalo de cem luas.

De te sonhar, tenho nada,

Mas acredito em mim o ouro e o mundo.

De te amar, possuída de ossos e abismos

Acredito ter carne e vadiar

Ao redor dos teus cismos. De nunca te tocar

Tocando os outros

Acredito ter mãos, acredito ter boca

Quando só tenho patas e focinho.

De muito desejar altura e eternidade

Me vem a fantasia de que Existo e Sou.

Quando sou nada: égua fantasmagórica

Sorvendo a lua n'água.

À Beira do Mar, no Outono - Pablo Neruda



"(...) À beira do mar, no outono,

teu riso deve erguer

sua cascata de espuma,

e na primavera, amor,

quero teu riso como

a flor que esperava,

a flor azul, a rosa

da minha pátria sonora.



Ri-te da noite,

do dia, da lua,

ri-te das ruas

tortas da ilha,

ri-te deste grosseiro

rapaz que te ama,

mas quando abro

os olhos e os fecho,

quando meus passos vão,

quando voltam meus passos,

nega-me o pão, o ar,

a luz, a primavera,

mas nunca o teu riso,

porque então morreria.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Aves do mar - Roberto de Mesquita (poeta açoriano)
















Aves do mar que em ronda lenta

Giram no ar, à ventania,

Gritam na tarde macilenta

A sua bárbara alegria.



Incha lá fora a vaga escura,

Uiva o nordeste aflitamente.

Que mágoa anónima satura

Este ar de Inverno, este ar doente?



Alma que vogas a gemer

Na tarde anémica, de vento,

Como se infiltra no meu ser

O teu esparso sofrimento!


Que viuvez desamparada

Chora no ar, no vento frio

Por esta tarde macerada

Em que a esp’rança se esvaiu!”..

El breve espacio en que no estas - Pablo Milanés




Todavia quedan restos de humedad,


sus olores llenan ya mi soledad,

en la cama su silueta se dibuja

...cual promesa

de llenar el breve espacio en que no esta.



Todavia yo no s si volvera, nadie sabe,

al dia siguiente, lo que hara.

Rompe todos mis esquemas,

no confiesa ni una pena,

no me pide nada a cambio de lo que da.



Suele ser violenta y tierna,

no habla de uniones eternas,

mas se entrega cual si hubiera

solo un dia para amar.



No comparte una reunion,

mas le gusta la cancion que comprometa su pensar.

Todavia no pregunte "te quedaras?".

Temo mucho a la respuesta de un "jamas".

La prefiero compartida antes que vaciar mi vida,

no es perfecta mas se acerca a lo que yo

simplesmente soñe...

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Entre a Sombra e a noite - Maria Alberta Menéres




















Entre a sombra e a noite há um submisso
instante
de preparação.
Aberto espaço onde as aves não cantam,
imaculado, instantâneo refúgio
Entre a sombra e a noite, único passo.

- E é serena e frágil a presença
dos nossos vultos passageiros,
isolados na própria condição.

Onde nada se move, uma estrela suspensa.

E tão inútilmente despedaço o encanto,
e tão súbita me vem uma tristeza antiga,
que entre a sombra e a noite encontra o meu
refúgio

- o intocável, único espaço.

Faial - Visão das Ilhas por Victor Rui Dores




Minha ilha marinheira, de cabelos desalinhados pelo vento. És apetecível como a quilha de um barco. Ou como a boca que sabe a cerveja. Ou como o gin tónico da amizade universal.

Os turistas nunca compreenderão as cinzas aquietadas do teu Vulcão, nem a catedral do silêncio da tua Caldeira. A tua verdade mais profunda está na luz marítima da tua cidade da Horta. E está na viagem mil vezes retomada. Porque em ti cabem todos os veleiros do mundo.

Esperei por ti no Café da Marina. Tardaste e entretive-me a olhar os iatistas a caminharem, com gestos lentos, por cima dos pontões. Eles, de troncos nus e reluzentes, são os lobos dos sete mares, altos e trigueiros. Elas, de cabelos loiros e olhos límpidos de mar, são sereias ondulantes... Ei-los que chegam trazidos por ventos de feição. Aqui repousam das marítimas aventuras. Aqui retemperam forças para retomar a roda do leme. Aqui festejam a alegria reencontrada dos sentidos...

... E depois partem. Porque a errância é o seu destino, a sua forma de perseguir a felicidade e o sonho. Lá vão eles. Oceanicamente livres.

Terceira - Visão das Ilhas por Victor Rui Dores

Vista sobre a Cidade de Angra - Parte delimitada como Patrimônio Mundial,
a Baía de Angra e o Monte Brasil 
.
Poderia chamar-te a ilha dos monumentos e dos cronistas, tu que és a mais histórica destas históricas ilhas... Poderia falar das tuas fortalezas, dos teus conventos, das fachadas das tuas casas renascentistas...

Poderia até chamar-te Angra do Heroísmo, cidade vaidosa do património mundial! Ou então Praia da Vitória, terra-mãe de Nemésio que ninguém leu.

Ah, sim, e poderia falar das tuas touradas e da euforia das tuas festas! Tanta coisa que eu poderia dizer do teu povo festivo e festeiro. Dos teus arraiais. Dos teus impérios. Das tuas alcatras suculentas. Da tua massa sovada de apetecer. Do teu alfenim conventual. Das tuas Danças de Entrudo. Da ternura que contigo partilhei no Jardim. Dos beijos que contigo troquei nas banquetas do Pátio da Alfândega. Das tuas quintas de S. Carlos e das tuas matas da Serreta...

Mas não. O que quero mesmo é repousar o meu olhar no teu Monte Brasil. E imaginar que vou partir por esse mar fora! E viver intensamente o bulício a bordo de paquetes iluminados. E respirar, no convés, a amplidão dos horizontes. E, depois, recolher ao camarote e adormecer. Com as vagas por travesseiro.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Visões das Ilhas - Victor Rui Dores (poeta açoriano)




Canto a vida e a maresia

em teu corpo solto e quente

minha ilha é suada e fria

meu canto é triste e dolente



trago as ilhas como quem cria

saudades que o coração sente

canto a vida e a maresia

em teu corpo solto e quente



e há sempre um cais e uma baía

e um mar antigo à nossa frente

que meu povo parte descontente

e vive em terra estranha e fria

canto a vida e a maresia.


In: Antologia Poética dos Açores,II Vol.

Vôo - Cecília Meireles


Alheias e nossas as palavras voam.

Bando de borboletas multicores, as palavras voam

Bando azul de andorinhas, bando de gaivotas brancas,

as palavras voam.


Viam as palavras como águias imensas.

Como escuros morcegos como negros abutres, as palavras voam.

Oh! alto e baixo em círculos e retas acima de nós, em redor de nós as

palavras voam.


E às vezes pousam

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

É Preciso Acreditar - Lyrics: Leonel Neves. Música: Luiz Goes




É preciso acreditar, É preciso acreditar


que o sorriso de quem passa

é um bem para se guardar

que é luar ou sol de graça

que nos vem alumiar ... com amor alumiar



É preciso acreditar, É preciso acreditar

que a canção de quem trabalha

é um bem para se guardar

E não há nada que valha

a vontade de cantar ... a qualquer hora cantar


É preciso acreditar, É preciso acreditar

que uma vela ao longe solta

é um bem para se guardar

que se um barco parte ou volta

passará no alto mar ... e é livre o alto mar


É preciso acreditar, É preciso acreditar

Que esta chuva que nos molha

é um bem para se guardar

que há sempre terra que colha

um ribeiro a despertar .... para um pão por despertar.

Música Universal - Zulmira Bento


Que fazer
Desta música universal
Vinda não sei donde
Que rompe a casca erógena
De danças marinhas
E se vai, incólume,
Nas asas leves
De  borboletas amarelas?

domingo, 5 de setembro de 2010

Viver, por Fernando Pessoa




















Não se acostume com o que não o faz feliz, revolte-se quando julgar necessário.

Alague seu coração de esperanças, mas não deixe que ele se afogue nelas.

Se achar que precisa voltar, volte!

Se perceber que precisa seguir, siga!

Se estiver tudo errado, comece novamente.

Se estiver tudo certo, continue.

Se sentir saudades, mate-a.

Se perder um amor, não se perca!

Se o achar, segure-o!

Circunda-te de rosas, ama, bebe e cala. O mais é nada.»

Libera-me _ Carlos Queiroz


Cristina Carvalhal - Libera-me from Ricardo Barros Espírito Santo on Vimeo.



Livrai-me, Senhor

De tudo o que for

Vazio de amor.


Que nunca me espere

Quem bem não me quer

(Homem ou mulher).


Livrai-me também

De quem me detém

E graça não tem.


E mais de quem não

Possui nem um grão

De imaginação.

sábado, 4 de setembro de 2010

Para que tu vivas - Hilda Hilst




Para poder morrer

Guardo insultos e agulhas

Entre as sedas do luto.

Para poder morrer

Desarmo as armadilhas

Me estendo entre as paredes

Derruídas

Para poder morrer

Visto as cambraias

E apascento os olhos

Para novas vidas

Para poder morrer apetecida

Me cubro de promessas

Da memória.

Porque assim é preciso

Para que tu vivas.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Não Vás Contar Que Mudei A Fechadura - Sérgio Godinho


Sérgio Godinho - "Não vás contar que mudei a fechadura" from Ricardo Barros Espírito Santo on Vimeo.



Não vás contar que mudei a fechadura


Nem revelar que reclamei dos teus anéis

O amor dura, se durar, enquanto dura

E o vento voa à procura de papéis



O vento passa à procura dum engano

E quando encontra presa fácil na cidade

Bate à janela e redemoinha e causa dano

Naquilo que é suposto ser nossa vontade



Já de manhã vai parecer tudo tão diferente

Não é do vinho nem do sono ou do café

É só que um olho por olho, dente por dente

Nos deixa o rosto assemelhado ao que não é



E não vás contar-lhes desse abraço derradeiro

Nem que mudei a fechadura mal saíste

Quero o teu rosto devolvido por inteiro

O desse dia em que me vi no que tu viste



E não vás tomar à letra aquilo que te disse

Quando te disse que o amor é relativo

Se o relativo fosse coisa que se visse

Não era amor o por que morro e o por que vivo

in "Não há Coincidências"

Romance do Terceiro Oficial de Finanças - Manuel da Fonseca



Ah! as coisas incríveis que eu te contava

assim misturadas com luas e estrelas

e a voz vagarosa como o andar da noite!


As coisas incríveis que eu te contava

e me deixavam hirto de surpresa

na solidão da vila quieta!...

Que eu vinha alta noite

como quem vem de longe

e sabe os segredos dos grandes silêncios

— os meus braços no jeito de pedir

e os meus olhos pedindo

o corpo que tu mal debruçavas da varanda!...



(As coisas incríveis eu só as contava

depois de as ouvir do teu corpo, da noite

e da estrela, por cima dos teus cabelos.

Aquela estrela que parecia de propósito para enfeitar os teus cabelos

quando eu ia namorar-te...).


Mas tudo isso, que era tudo para nós,

não era nada na vida!...

Da vida é isto que a vida faz.

Ah! sim, isto que a vida faz!

— isto de tu seres a esposa séria e triste

de um terceiro oficial de finanças da Câmara Municipal!...

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Trespasse - Daniel Filipe















Quem tiver sonhos, guarde-os bem fechados

— com naftalina — num baú inútil.

Por mim abdico desses vãos cuidados.

Deixai-me ser liricamente fútil!



Estou resolvido. Vou abrir falência.

(Bandeira rubra desfraldada ao vento:

“Hoje, leilão!”) Liquida-se a existência

— por retirada para o esquecimento …

O poema ensina a cair... Luiza Neto Jorge


Catarina Furtado - "O Poema Ensina a Cair" from Ricardo Barros Espírito Santo on Vimeo.

O poema ensina a cair


sobre vários solos

desde perder o chão repentino sob os pés

como se perde os sentidos numa

queda de amor,ao encontro

do cabo onde a terra abate e

a fecunda ausência excede



até à queda vinda

da lenta volúpia de cair,

quando a face atinge o solo

numa curva delgada subtil

uma vénia a ninguém de especial

ou especialmente a nós uma homenagem

póstuma.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Tempo de Poesia - António Gedeão

















Todo o tempo é de poesia

Desde a névoa da manhã

à névoa do outo dia.

Desde a quentura do ventre

à frigidez da agonia



Todo o tempo é de poesia

Entre bombas que deflagram.

Corolas que se desdobram.

Corpos que em sangue soçobram.

Vidas qua amar se consagram.

Sob a cúpula sombria

das mãos que pedem vingança.

Sob o arco da aliança

da celeste alegoria.


Todo o tempo é de poesia.

Desde a arrumação ao caos

à confusão da harmonia.

Aquarela - Toquinho




Numa folha qualquer

Eu desenho um sol amarelo

E com cinco ou seis retas

É fácil fazer um castelo

Corro o lápis em torno da mão

E me dou uma luva

E se faço chover

Com dois riscos tenho um guarda chuva

Se um pinguinho de tinta

Cai num pedacinho azul do papel

Num instante imagino

Uma linda gaivota a voar no céu

Vai voando,

Contornando a imensa curva norte sul

Vou com ela viajando

Havaí, Pequim ou Istambul

Pinto um barco a vela,

Branco, navegando,

É tanto céu e mar num beijo azul

Entre as nuvens vem surgindo

Um lindo avião rosa e grená

Tudo em volta colorindo

Com suas luzes a piscar

Basta imaginar e ele está partindo,

Sereno, lindo,

E, se a gente quiser,

Ele vai pousar

Numa folha qualquer

Eu desenho um sol de partida

Com alguns bons amigos

Bebendo de bem com a vida

De uma América a outra

Consigo passar num segundo

Giro um simples compasso

E num círculo eu faço o mundo

Um menino caminha

E caminhando chega num muro

E ali logo em frente

A esperar pela gente o futuro está

E o futuro é uma astronave

Que tentamos pilotar

Não tem tempo nem piedade

Nem tem hora de chegar

Sem pedir licença

Muda nossa vida

E depois convida

A rir ou chorar

Nessa estrada não nos cabe

Conhecer ou ver o que virá

O fim dela ninguém sabe

Bem ao certo onde vai dar

Vamos todos numa linda passarela

De uma aquarela

Que um dia enfim

Descolorirá

Numa folha qualquer

Eu desenho um sol amarelo

(que descolorirá)

E com cinco ou seis retas

É fácil fazer um castelo

(que descolorirá)

Giro um simples compasso

E num círculo eu faço o mundo

(que descolorirá)

Corro o lápis em torno da mão

E me dou uma luva

(que descolorirá)