terça-feira, 30 de novembro de 2010

Não quero mais que o dado - Ricardo Reis


Do que quero renego, se o querê-lo
Me pesa na vontade. Nada que haja
Vale que lhe concedamos
Uma atenção que doa.
Meu balde exponho à chuva, por ter água.
Minha vontade, assim, ao mundo exponho,
Recebo o que me é dado,
E o que falta não quero.


O que me é dado quero
Depois de dado, grato.


Nem quero mais que o dado
Ou que o tido desejo.

A Mensagem: O Infante - Fernando Pessoa


Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,

E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!

Fiz de mim o que não soube... - Àlvaro de Campos

Fernando António Nogueira Pessoa (Lisboa, 13 de Junho de 1888 — Lisboa, 30 de Novembro de 1935).

"Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente
Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime."

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Desaparecimento de Luísa Porto - Carlos Drummond de Andrade


Pede-se a quem souber
do paradeiro de Luísa Porto
avise sua residência
À Rua Santos Óleos, 48.
Previna urgente
solitária mãe enferma
entrevada ha longos anos
erma de seus cuidados.

Pede-se a quem avistar
Luísa Porto, de 37 anos,
que apareça, que escreva,
que mande dizer
onde está.
Suplica-se ao repórter-amador,
ao caixeiro, ao mata-mosquitos, ao transeunte,
a qualquer do povo e da classe média,
até mesmo aos senhores ricos,
que tenham pena de mãe aflita
e lhe restituam a filha volatilizada
ou pelo menos dêem informações.

É alta, magra,
morena, rosto penugento, dentes alvos,
sinal de nascença junto ao olho esquerdo,
levemente estrábica.
Vestidinho simples. Óculos.
Sumida há três meses.
Mãe entrevada chamando.


Roga-se ao povo caritativo desta cidade
que tome em consideração um caso de família
digno de simpatia especial.
Luísa é de bom gênio, correta, meiga, trabalhadora, religiosa.
Foi fazer compras na feira da praça.
Não voltou.

Levava pouco dinheiro na bolsa.
(Procurem Luísa.)
De ordinário não se demorava.
(Procurem Luísa.)
Namorado isso não tinha.
(Procurem. Procurem.)
Faz tanta falta.

Se todavia não a encontrarem
nem por isso deixem de procurar
com obstinação e confiança que Deus sempre recompensa
e talvez encontrem.
Mãe, viúva pobre, não perde a esperança.
Luísa ia pouco a cidade
e aqui no bairro é onde melhor pode ser pesquisada.
Sua melhor amiga, depois da mãe enferma,
É Rita Santana, costureira, moça desimpedida.
a qual não da noticia nenhuma,
limitando-se a responder: Não sei.
O que não deixa de ser esquisito.

Somem tantas pessoas anualmente
numa cidade como o Rio de janeiro
que talvez Luísa Porto jamais seja encontrada.
Uma vez, em 1898,
ou 9,
sumiu o próprio chefe de polícia
que saíra a tarde para uma volta no Largo do Rocio
e até hoje.
A mãe de Luísa, então jovem, leu no Diário Mercantil,
ficou pasma.
O jornal embrulhado na memória.
Mal sabia ela que o casamento curto, a viuvez,
a pobreza, a paralisia, o queixume
seriam, na vida, seu lote
e que sua única filha, afável posto que estrábica,
se diluiria sem explicação.

Pela ultima vez e em nome de Deus
todo-poderoso e cheio de misericórdia
procurem a moça, procurem
essa que se chama Luísa Porto
e é sem namorado.
Esqueçam a luta política,
ponham de lado preocupações comerciais,
percam um pouco de tempo indagando,
inquirindo, remexendo.
Não se arrependerão. Não
há gratificação maior do que o sorriso
de mãe em festa
e a paz intima
conseqüente às boas e desinteressadas ações,
puro orvalho da alma.

Não me venham dizer que Luísa suicidou-se.
O santo lume da fé
ardeu sempre em sua alma
pertence a Deus e a Teresinha do Menino Jesus.
Ela não se matou.
Procurem-na.
Tampouco foi vítima de desastre que a polícia ignora
e os jornais não deram.
Está viva para consolo de uma entrevada
e triunfo geral do amor materno
filial e do próximo.

Nada de insinuações quanto à moça casta
e que não tinha, não tinha namorado.
Algo de extraordinário terá acontecido,
terremoto, chegada de rei.
As ruas mudaram de rumo,
para que demore tanto, é noite.
Mas há de voltar, espontânea
Ou trazida por mão benigna,
O olhar desviado e terno, canção.

A qualquer hora do dia ou da noite
quem a encontrar avise a Rua Santos Óleos.
Não tem telefone.
Tem uma empregada velha que apanha o recado
e tomará providencias.

Mas
se acharem que a sorte dos povos é mais importante
e que não devemos atentar nas dores individuais,
se fecharem ouvidos a este apelo de campainha,
não faz mal, insultem a mãe de Luísa,
virem a pagina:
Deus terá compaixão da abandonada e da ausente,
erguerá a enferma, e os membros perclusos
já se desatam em forma de busca.
Deus lhe dirá :
Vai,
procura tua filha, beija-a e fecha-a para sempre em teu coração.
Ou talvez não seja preciso esse favor divino.
A mãe de Luísa ( somos pecadores )
sabe-se indigna de tamanha graça.
E resta a espera, que sempre é um dom.
Sim, os extraviados um dia regressam
— ou nunca, ou pode ser, ou ontem.
E de pensar realizamos.
Quer apenas sua filhinha
que numa tarde remota de Cachoeiro
acabou de nascer e cheira a leite,
a cólica, a lágrima.
Já não interessa a descrição do corpo
nem esta, perdoem, fotografia,
disfarces de realidade mais intensa
e que anúncio algum proverá.
Cessem pesquisas, rádios, calai-vos·
Calma de flores abrindo
no canteiro azul
onde desabrocham seios e uma forma de virgem
intata nos tempos.
E de sentir compreendemos.
Já não adianta procurar
minha querida filha Luísa
que enquanto vagueio pelas cinzas do mundo
com inúteis pés fixados, enquanto sofro
e sofrendo me solto e me recomponho
e torno a viver e ando,
está inerte
gravada no centro da estrela invisível
Amor.

domingo, 28 de novembro de 2010

Todo O Sentimento - Chico Buarque




Preciso não dormir

Até se consumar

O tempo da gente.

Preciso conduzir

Um tempo de te amar,

Te amando devagar e urgentemente.



Pretendo descobrir

No último momento

Um tempo que refaz o que desfez,

Que recolhe todo sentimento

E bota no corpo uma outra vez.



Prometo te querer

Até o amor cair

Doente, doente...

Prefiro, então, partir

A tempo de poder

A gente se desvencilhar da gente.



Depois de te perder,

Te encontro, com certeza,

Talvez num tempo da delicadeza,

Onde não diremos nada;

Nada aconteceu.

Apenas seguirei

Como encantado ao lado teu.

Companheira - Pedro Barroso


Homenagem no aniversário do poeta



Deixei pousar minha boca em tua fronte

toquei-te a pele como se fosses harpa

escorreguei em teu ventre como o vento

e atravessei-te em mim como se fosse farpa



Deixei crescer uma vontade devagar

deixei crescer no peito um infinito

morri da morte lenta do desejo

e em cada beijo abafei um grito



Quando desfolho o livro velho da memória

sinto que o tempo passado à tua beira

é um espaço bom que há na minha história

e foi bonito ter dito companheira



Inventei mil paisagens no teu peito

rebentei de loucura e fantasia

quando me olhavas devagar com esse jeito

e eu descobri tanta coisa que não vias



Havia em ti uma forma grande de incerteza

que conseguias converter em alegria

havia em ti um mar salgado de beleza

que me faz sentir saudades em cada dia



Quando desfolho o livro velho da memória

sinto que o tempo passado à tua beira

é um espaço bom que há na minha história

e foi bonito ter dito companheira



in "Roupas de Pátria, Roupas de Mulher", 1987

Ela Faz Cinema - Chico Buarque


Quando ela chora


Não sei se é dos olhos para fora

Não sei do que ri

Eu não sei se ela agora

Está fora de si

Ou se é o estilo de uma grande dama

Quando me encara e desata os cabelos

Não sei se ela está mesmo aqui

Quando se joga na minha cama



Ela faz cinema

Ela faz cinema

Ela é a tal

Sei que ela pode ser mil

Mas não existe outra igual



Quando ela mente

Não sei se ela deveras sente

O que mente para mim

Serei eu meramente

Mais um personagem efêmero

Da sua trama

Quando vestida de preto

Dá-me um beijo seco

Prevejo meu fim

E a cada vez que o perdão

Me clama



Ela faz cinema

Ela faz cinema

Ela é demais

Talvez nem me queira bem

Porém faz um bem que ninguém

Me faz



Eu não sei

Se ela sabe o que fez

Quando fez o meu peito

Cantar outra vez

Quando ela jura

Não sei por que Deus ela jura

Que tem coração

e quando o meu coração

Se inflama



Ela faz cinema

Ela faz cinema

Ela é assim

Nunca será de ninguém

Porém eu não sei viver sem

E fim.

sábado, 27 de novembro de 2010

O Último Blues - Chico Buarque




Essa menina que você seduz


E um dia depois

Sem mais nem mais, esquece

Ela, no fundo, é uma atriz

Quando beija a sua boca

E nada acontece



Essa menina que você seduz

Agora é uma atriz

Saída de outra peça

Chamada "Doces Ardis..."

Quando beija a sua boca

Ela começa a fraquejar

Por onde anda a sua mão

Você só quer se aproveitar

E ela delira

Rodopiando no salão

Os dois parecem um casal

Mas é mentira



Essa menina pode ir pro Japão

Na vida real

Você é quem enlouquece

Apaga a última luz

E nos cantos do seu quarto

A figura dela fosforesce

Ao som do último blues

Na Rádio Cabeça

Se puder esqueça

A menina que você seduz

Não me beijes por engano - Sérgio Godinho




Coisas…!

O acaso às vezes faz cada coisa…

coisas que se diz do destino

ousas

repousar em mim, felino, o olhar

eu, que hoje nem vinha a este bar

fazes com os dedos um olá furtivo

e logo num caudal revivo

palavras antigas de um ano



Não me beijes por engano

não me causes maior dano

do que aquele que causaste

no dia em que aproximaste

os teus lábios do meu peito

e num moomento perfeito

de paz e de assombração

tocaste o meu coração



Tocas

com os dedos mensageiros no copo

chego-te em controlo remoto

voto

em ficar por mais um século assim

bebericando do teu gin

tens já o olhar afogueado e pardo

ardido no vento em que ardo

pousado na brisa em que plano



Não me beijes por engano

não me causes maior dano

do que aquele que causaste

no dia em que aproximaste

os teus lábios do meu peito

e num momento perfeito

de paz e de assombração

tocaste o meu coração



Faço que dormito pra te lhar do meu canto

conheço-te os cantos à casa

faz a

tua jura de quem casa comigo

e êxtases novos te predigo

mas não estás só nem mal acompanhada

e talvez que até mais bem amada

aplausos e corra-se o pano



Não me beijes por engano

não me causes maior dano

do que aquele que causaste

no dia em que aproximaste

os teus lábios do meu peito

e num moomento perfeito

de paz e de assombração

tocaste o meu coração

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

O Meu Amor Existe - Jorge Palma



O meu amor tem lábios de silêncio

E mão de bailarina
E voa como o vento
E abraça-me onde a solidão termina


O meu amor tem trinta mil cavalos
A galopar no peito
E um sorriso só dela
Que nasce quando a seu lado eu me deito

O meu amor ensinou-me a chegar
Sedento de ternura
Separou as minhas feridas
E pôs-me a salvo para além da loucura

O meu amor ensinou-me a partir
Nalguma noite triste
Mas antes, ensinou-me
A não esquecer que o meu amor existe.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Calçada de Carriche - António Gedeão

 No aniversário do Nascimento do Poeta ((Rómulo Carvalho)


Luísa sobe, sobe a calçada,


sobe e não pode que vai cansada.



Sobe, Luísa, Luísa, sobe,

sobe que sobe sobe a calçada.



Saiu de casa

de madrugada;

regressa a casa

é já noite fechada.

Na mão grosseira,

de pele queimada,

leva a lancheira

desengonçada.



Anda, Luísa, Luísa, sobe,

sobe que sobe, sobe a calçada.



Luísa é nova,

desenxovalhada,

tem perna gorda,

bem torneada.

Ferve-lhe o sangue

de afogueada;

saltam-lhe os peitos

na caminhada.



Anda, Luísa. Luísa, sobe,

sobe que sobe, sobe a calçada.



Passam magalas,

rapaziada,

palpam-lhe as coxas

não dá por nada.



Anda, Luísa, Luísa, sobe,

sobe que sobe, sobe a calçada.



Chegou a casa

não disse nada.

Pegou na filha,

deu-lhe a mamada;

bebeu a sopa

numa golada;

lavou a loiça,

varreu a escada;

deu jeito à casa

desarranjada;

coseu a roupa

já remendada;

despiu-se à pressa,

desinteressada;

caiu na cama

de uma assentada;

chegou o homem,

viu-a deitada;

serviu-se dela,

não deu por nada.



Anda, Luísa. Luísa, sobe,

sobe que sobe, sobe a calçada.



Na manhã débil,

sem alvorada,

salta da cama,

desembestada;

puxa da filha,

dá-lhe a mamada;

veste-se à pressa,

desengonçada;

anda, ciranda,

desaustinada;

range o soalho

a cada passada,

salta para a rua,

corre açodada,

galga o passeio,

desce o passeio,

desce a calçada,

chega à oficina

à hora marcada,

puxa que puxa, larga que larga,[x 4]

toca a sineta

na hora aprazada,

corre à cantina,

volta à toada,

puxa que puxa, larga que larga,[x 4]



Regressa a casa

é já noite fechada.

Luísa arqueja

pela calçada.



Anda, Luísa, Luísa, sobe,

sobe que sobe, sobe a calçada, [x 3]



Anda, Luísa, Luísa, sobe,

sobe que sobe, sobe a calçada

Quem é ela? Onde Está? - Carlos Jesus Gil


Por ela tenho andarilhado;

por ela tenho esperado;

por ela tenho adiado…


Esperei,

adiei.

Espero,

adiarei

- já o sei,

mas não quero!


Quem é ela, afinal?

Terá sobrado um bocadinho de matéria,

neste universo que me tem sido tão padrasto,

que se tenha consubstanciado nela?...

Se sim, jogamos o jogo das escondidas…

só que desconhecemos as regras!


(a reprodução deste texto deve indicar o nome do autor - Carlos Jesus Gil - e a fonte onde foi publicado) 

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Era uma vez um pintor que tinha um aquário - Herberto Hélder

Nos 80 anos do Poeta:




Era uma vez um pintor que tinha um aquário e, dentro do aquário, um peixe encarnado. Vivia o peixe tranqüilamente acompanhado pela sua cor encarnada, quando a certa altura começou a tornar-se negro a partir – digamos – de dentro. Era um nó negro por detrás da cor vermelha e que, insidioso, se desenvolvia para fora, alastrando-se e tomando conta de todo o peixe. Por fora do aquário, o pintor assistia surpreendido à chegada do novo peixe.


O problema do artista era este: obrigado a interromper o quadro que pintava e onde estava a aparecer o vermelho do seu peixe, não sabia agora o que fazer da cor preta que o peixe lhe ensinava. Assim, os elementos do problema constituíam-se na própria observação dos fatos e punham-se por uma ordem, a saber:

1) peixe, cor vermelha, pintor, em que a cor vermelha era o nexo estabelecido entre o peixe e o quadro, através do pintor;

2)peixe, cor preta, pintor, em que a cor preta formava a insídia do real e abria um abismo na primitiva fidelidade do pintor.

Ao meditar acerca das razões por que o peixe mudara de cor precisamente na hora em que o pintor assentava na sua fidelidade, ele pensou que, lá dentro do aquário, o peixe, realizando o seu número de prestidigitação, pretendia fazer notar que existia apenas uma lei que abrange tanto o mundo das coisas como o da imaginação. Essa lei seria a metamorfose. Compreendida a nova espécie de fidelidade, o artista pintou na sua tela um peixe amarelo.

Boneca de Pano - Menina do Alto da Serra

Dedicado à minha querida "Catarina" e aos seus novos papás (que o destino quis que fossem os meus queridos amigos de longa data) e novo mano e ao 3º aniversário sobre o primeiro Natal que passaram juntos.

 

Com uma alegria contagiante

Mostras-me a tua boneca de trapos,

quase do teu tamanho,

que embalas ternamente nos teus braços,

como a mais carinhosa das mães.

Ofereces-me o teu riso cristalino e inocente

de criança.


Pegas-me pela mão e arrastas-me pelas divisões

deste edificio cinzento, uma a uma...

Ensinas-me o nome dos teus amigos, das senhoras que te ensinam

e das que cuidam de ti dia e noite.

Levas-me ao teu quarto que partilhas com mais cinco amigos

e apontas para a tua cama de ferro.

Contas-me contente e triste ao mesmo tempo  que o urso de pelúcia que tens em cima da

cama te foi dado pela a tua mamã "antiga" quando te deixou aqui.

E então, subitamente fazes silêncio, E a frio, olhando-me com os teus olhos negros

inquietantes, gelas-me a alma quando me perguntas tão simplesmente: "a minha mamã

nova, quando vem ? Sempre vou ter pelo Natal uma nova mamã e papá?"......

............E eu tenho de te dizer que não, apesar de ser quase Natal o Sr. Juiz ainda não

conseguiu aranjar-te os papás novos que tanto sonhas e que os adultos tanto te

prometem.

....................................

Eu quero dizer-te quem sim, quando sei que a resposta é não. Por ora é não.

E regresso à minha secretária inquieta, cheia de relatórios das senhoras graves da

segurança social,

esperando que à próxima visita que me cumpra fazer a essa casa grande onde vives

te possa dizer  que o pai natal ouviu o teu e o meu pedido e abriu as portas da burocracia

e que tens uns novos pais para aprender a amar, a voltar a confiar na vida e que vais ser

muito, muito (tão)  feliz.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Mónologo de Orfeu da Conceição - Vinicius de Moraes




Mulher mais adorada!

Agora que não estás,

deixa que rompa o meu peito em soluços

Te enrustiste em minha vida,

e cada hora que passa

É mais por que te amar

a hora derrama

o seu óleo de amor em mim, amada.


E sabes de uma coisa?

Cada vez que o sofrimento vem,

essa vontade de estar perto,

se longe

ou estar mais perto se perto

Que é que eu sei?

Este sentir-se fraco,

o peito extravasado

o mel correndo,

essa incapacidade de me sentir mais eu, Orfeu;

Tudo isso que é bem capaz

de confundir o espírito de um homem.

Nada disso tem importância

Quando tu chegas com essa charla antiga,

esse contentamento, esse corpo

E me dizes essas coisas

que me dão essa força,

esse orgulho de rei.

Ah, minha Eurídice


Meu verso, meu silêncio, minha música.

Nunca fujas de mim.

Sem ti, sou nada.

Sou coisa sem razão, jogada, sou pedra rolada.

Orfeu menos Eurídice: coisa incompreensível!

A existência sem ti é como olhar para um relógio

Só com o ponteiro dos minutos.

Tu és a hora, és o que dá sentido

E direção ao tempo,

minha amiga mais querida!

Qual mãe, qual pai, qual nada!

A beleza da vida és tu, amada

Milhões amada! Ah! Criatura!

Quem poderia pensar que Orfeu,

Orfeu cujo violão é a vida da cidade

E cuja fala, como o vento à flor

Despetala as mulheres -

que ele, Orfeu,

Ficasse assim rendido aos teus encantos?

Mulata, pele escura, dente branco

Vai teu caminho

que eu vou te seguindo

no pensamento

e aqui me deixo rente

quando voltares,

pela lua cheia

Para os braços sem fim do teu amigo

Vai tua vida, pássaro contente

Vai tua vida que estarei contigo.

In "Black Orpheus"

domingo, 21 de novembro de 2010

Valsa de Eurídice - Vinicius de Moraes



Tantas vezes já partiste

Que chego a desesperar

Chorei tanto, eu sou tão triste

Que já nem sei mais chorar

Oh, meu amado, não parta

Não parta de novo

Há na partida uma dor que não tem fim

Não há nada que conforte

A falta dos olhos teus

Pensa que a saudade

mais do que a propria morte

Pode matar-me

Adeus.
 
In "Black Orfeu"

sábado, 20 de novembro de 2010

O Menino e a Flor - Maria Almira Medina



Era uma vez um menino

Era uma vez o papão

Era uma vez milhões de homens

cobertos de maldição...



Medalhas de oiro

foguetes

bandeirinhas de mil cores

flores de papel aos centos

diplomas e honrarias



tronos penas de pavão

homenagens monumentos

discursos

desfalques

roubos

assassinatos

infâmias

ah! negreiros do meu tempo

traficantes e falsário

permitam o céu às aves

deixem crescer o menino

com uma flor no coração!



Era uma vez um menino

Era uma vez o papão

Era uma vez milhões de homens

cobertos de maldição...



A mentira anda na rua

passeia na praça pública

puxa os cabelos às moças

faz caretas

piruetas

e trejeitos

grita

cospe nas estrelas

rasga o menino

e arranca dele uma flor

que pisa a pés que desfaz!

Senhores polícias

não deixem

violar um coração

algemem a violadora

apanhem a flor do chão!



Era uma vez um menino

Era uma vez o papão

Era uma vez milhões de homens

cobertos de maldição...

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

SILÊNCIO, NOSTALGIA - Fernanda de Castro




Silêncio, nostalgia...

...Hora morta, desfolhada,

sem dor, sem alegria,

pelo tempo abandonada.



Luz de Outono, fria, fria...

Hora inútil e sombria

de abandono.

Não sei se é tédio, sono,

silêncio ou nostalgia.



Interminável dia

de indizíveis cansaços,

de funda melancolia.

Sem rumo para os meus passos,

para que servem meus braços,

nesta hora fria, fria?

Durante o dia, durante a vida - Miguel Esteves Cardoso



Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem.


___Miguel Esteves Cardoso___

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Basta-me saber que há sempre alguém a lutar contra a corrente - Jorge Palma


A chuva varre as janelas do teu apartamento.


A minha bagagem repousa ao abrigo do vento

E eu nem preciso de olhar para ti

Para saber o que esperas de mim.

Tu queres-me fazer cumprir

Coisas que eu não prometi.



Tu também sentes na pele o sopro da mudança,

Mas ficas sentada na sala à espera da esperança.

Aprendemos juntos a enfrentar o frio,

Embarcámos juntos no mesmo avião

E agora tu queres parar...

Dormir na margem do rio.



Mas, basta-me saber que há sempre alguém a lutar contra a corrente

Para me apetecer saltar,

Ir nadar ao lado dele,

Derretendo com o olhar

Todos os muros de gelo

E não consigo descansar

Enquanto não alcanço uma nova nascente.



Dizes que não suportas ver-te sózinha ao relento,

Mas tudo o que fazes é soltar o teu longo lamento

E eu vou para o meio da multidão,

Não levo a virtude nem a salvação,

Mas levo o meu calor

E uma guitarra na mão



E basta-me saber que há sempre alguém a lutar contra a corrente

Para me apetecer saltar,

Ir nadar ao lado dele,

Derretendo com o olhar

Todos os muros de gelo

E não consigo descansar

Enquanto não alcanço uma nova nascente.



E quando te voltar a apetecer seguir em frente,

Se me quiseres acompanhar,

Canta uma canção de amor,

Pinta os olhos cor de mar...

Põe no teu peito uma flor,

Traz um amigo qualquer

E vamos juntos abraçar o sol nascente

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Requiem pelas Cartas de Amor à antiga... - Menina do Alto da Serra


"Todas as Cartas de Amor são ridículas" 
Cartas de amor...ainda guardo em caixas forradas de tecido e seladas com bonitas fitas de cetim, o tesouro precioso que são as cartas de amor que ao longo da vida recebi …
As velhas cartas de amor…uma espécie em vias de extinção: agora já não se cultiva a magia de uma boa carta de amor manuscrita, escrita na mais desenhada caligrafia e no papel mais requintado e(ou) perfumado... Com colagens ou elaborados desenhos a aguarela ou a carvão (sim … tenho autênticas obras de arte plástica que não só literárias entre as “minhas” cartas de amor) e as citações de versos de doces palavras que encerram saudades, beleza, ternura e paixão. Ou flores secas, madeixas de cabelos guardadas em minúsculos "embrulhos" de papel. Ou tudo aquilo que a imaginação dos apaixonados ditasse e coubesse no tamanho e pesagem de um envelope de papel...

Com a mudança de século (sim, eu ainda nasci e vivi no Século passado) e com as novas tecnologias, as palavras de amor reinventam novas formas de espalhar aos sete ventos os sentimentos indizíveis que nos povoam o coração e a alma e apagar a “doce dor” de uma longa (ou breve) ausência do ser amado. Claro…falo dos efémeros “SMS de amor” que urge ir apagando à medida que a memória do telemóvel se vai esgotando, os “emails de amor”...(e mais efémeras ainda: as mensagens de chat) e que nos arrancam sorrisos "tolos" no meio da multidão quando lidos, assim à "socapa", com a perigosa e deliciosa sensação de infringir regras de boa conduta e postura em certos meios ou situações sociais...
Não me queixo…pelo contrário…confesso que a mais bela carta de amor que recebi algum dia me chegou num email perdido algures na confusão da minha caixa de correio pessoal, num acordar de uma manhã longíqua de um Verão que já começa a parecer (tão) distante…
Ah…mas que tenho saudades…tenho. Da emoção contida na corrida escadaria abaixo para a caixa do correio, de pegar no envelope tão esperado e abrir apressada a “muralha” de papel que assim me separava das esperadas palavras de afecto….e de apertar a “carta do meu amor”, como um tesouro precioso bem juntinho ao meu peito.
Como diria o Poeta, as boas cartas de Amor Ridículas...que não seriam de amor se não fossem, assim, tão magnanimamente Ridículas...

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Não te amo - Almeida Garrett



Não te amo, quero-te: o amor vem d'alma.

E eu n'alma – tenho a calma,

A calma – do jazigo.

Ai! não te amo, não.



Não te amo, quero-te: o amor é vida.

E a vida – nem sentida

A trago eu já comigo.

Ai, não te amo, não!



Ai! não te amo, não; e só te quero

De um querer bruto e fero

Que o sangue me devora,

Não chega ao coração.



Não te amo. És bela; e eu não te amo, ó bela.

Quem ama a aziaga estrela

Que lhe luz na má hora

Da sua perdição?



E quero-te, e não te amo, que é forçado,

De mau, feitiço azado

Este indigno furor.

Mas oh! não te amo, não.



E infame sou, porque te quero; e tanto

Que de mim tenho espanto,

De ti medo e terror...

Mas amar!... não te amo, não.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Tocará esse piano - Juan Ramón Jiménez




Eu não voltarei. E a noite

morna, serena, calada,

adormecerá tudo, sob

sua lua solitária.

...Meu corpo estará ausente,

e pela janela alta

entrará a brisa fresca

a perguntar por minha alma.



Ignoro se alguém me aguarda

de ausência tão prolongada,

ou beija a minha lembrança

entre carícias e lágrimas.



Mas haverá estrelas, flores

e suspiros e esperanças,

e amor nas alamedas,

sob a sombra das ramagens.



E tocará esse piano

como nesta noite plácida,

não havendo quem o escute,

a pensar, nesta varanda.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Tenho uma grande constipação - Fernando Pessoa


Tenho uma grande constipação,


E toda a gente sabe como as grandes constipações

Alteram todo o sistema do universo,

Zangam-nos contra a vida,

E fazem espirrar até à metafísica.

Tenho o dia perdido cheio de me assoar.

Dói-me a cabeça indistintamente.

Triste condição para um poeta menor!

Hoje sou verdadeiramente um poeta menor!

O que fui outrora foi um desejo; partiu-se.



Adeus para sempre, rainha das fadas!

As tuas asas eram de sol, e eu cá vou andando,

Não estarei bem se não me deitar na cama

Nunca estive bem senão deitando-me no universo.



Excusez un peu… Que grande constipação física!

Preciso de verdade e de aspirina.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Golpe de Estado de Um(a) Trovador(a) Mediaval - Menina do Alto da Serra



Amigos e Companheiros:

Deixarei de cantar o amor
Ou o desamor.
Deixarei de verter lágrimas
De semear utopias
Nos jardins perdidos do meu coração.

Viva a Revolução!

Deixarei de ser desalento
Ou quimeras mil
Cinderela sonhadora
Ou carochinha chorosa
Dos mundos das histórias de encantar.

Cantarei doravante o Céu e a terra,
o mar e o vento,
A chuva e o arco-íris,
O pôr e nascer do sol
E as magias de noites de luar.

Cantarei a liberdade das gaivotas
Que esvoaçam pelo ar,
O sussurro das folhas das árvores
Quando a brisa da tarde as vem namorar,
A força das correntes dos rios,
O marulhar das ondas do mar.

Cantarei o trinado dos pássaros,
Os silêncios das noites
Os mil sons que se espraiam pelo dia,
A alegria vadia do canto das cigarras
E o balir dos rebanhos em verdes prados,
a grandeza dos sonhos.

Cantarei a magnitude de uma sinfonia
 A ternura de uma canção de embalar…
............
.............
Mas  jamais de mim nascerão mais palavras,
Ditas, escritas ou cantadas,
Que lembrem o choro dolente das guitarras
As cadências lentas de
Baladas de dor,
Ou sequer o batuque alegre e vibrante
Das Bossas que entoem
Alegrias de Amor.

Longa Vida à Revolução!

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Chuva no Deserto - Menina do Alto da Serra

A manhã sombria trouxe o caudal imenso, infindo de lágrimas


com que o universo por mim chora o ruir de sonhos,

a queda de anjos.

As minhas lágrimas, essas, secaram...não as encontro.

Estranhamente, EU, que sou feita da essência do mar salgado

e da doçura branda dos rios e de plácidas lagoas,

descubro em mim este deserto,

vasto, árido e sem limite de horizonte

no caminho que os meus pés encetam...


.........

Ah, vou deixar-me levar, assim, entre esta tempestade de areia,

sem rumo certo, à deriva do vento.

Na certeza de que, algures, um oásis

esperará por mim e um arco-íris - como o que espreita neste momento

as nuvens que asfixiam o dia - será então,

reflexo da nascente que correr pelos meus olhos.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

A Cabana Junto à Praia - Menina do Alto da Serra

Palheiro secular no areal com vista para o mar- Praia de Mira
Hoje já inexistente.

Sabes, venho contar-te
que a cabana junto à Praia,
Sobre as dunas e canaviais
em frente à qual as gaivotas vinham
ensaiar mil danças no ar,
Que inspirou míticas canções,
Que numa tarde cinzenta
de ínicio de outono,
abrigou duas almas de vagabundo,
naquela tarde em que os raios de Sol
crepuscular romperam por entre
as nuvens para incendiar o horizonte
as suas almas e corações,
JÁ NÃO EXISTE.

Homens que não amam o belo, a história
e a memória desfizeram uma a uma as tábuas que
secularmente a erguiam.

Agora, o areal nú e vazio chora os fantamas
dos Palheiros que um dia abrigaram as vidas
dos homens, mulheres e crianças
que viviam do e para mar.

Eu...eu choro a perda de todos pôr-de-sol em que vi o
os Palheiros em fogo reflectidos no mar...
Mas já não choro a tarde, aquela precisa tarde,
em que ao pousar na tua a minha mão e no teu o meu olhar
me perdi de mim.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Segredos inconfessáveis - Fiodor Dostoievski


Entre as recordações que cada um de nós guarda, algumas há que só contamos aos amigos. Há ainda outras que nem sequer aos amigos confessamos, que só a nós próprios dizemos e, mesmo assim, no máximo segredo. Finalmente, há coisas que o homem nem sequer se permite confessar a si mesmo. Ao longo da existência, toda a pessoa honesta acumulou não poucas destas recordações. Diria mesmo que a quantidade é tanto maior quanto mais honesto o homem. Eu, em todo o caso, não foi há muito que me decidi a recordar algumas das minhas antigas aventuras; até agora evitava fazê-lo, aliás com um certo desassossego. Porém agora, quando as evoco e desejo mesmo anotá-las, agora vou tirar a prova: será possível sermos francos e sinceros, pelo menos com nós próprios, e dizermo-nos toda a verdade?




Observo, a propósito, que Heine afirma não poderem existir autobiografias exactas e que o homem mente sempre quando fala de si próprio. Em sua opinião, Rousseau enganou-nos à certa nas suas Confessions, e até deliberadamente, por vaidade. Tenho a certeza de que Heine tem razão: compreendo muitíssimo bem que nos possamos acusar de crimes abomináveis apenas por vaidade e também compreendo o que pode ser esse sentimento. Mas Heine tinha em vista as confissões públicas; ora, eu escrevo só para mim e declaro duma vez por todas que, se pareço dirigir-me ao leitor, é apenas um processo de que me sirvo para maior facilidade.



 in 'Cadernos do Subterrâneo'

Manta de Retalhos - Menina do Alto da Serra


"A minha vida é uma manta de retalhos,

recordações vindas ao acaso,
dos confins da memória,
dispersas e juntas por um único elo condutor:
Eu tê-las Vivido.

A minha vida é um desfiar de recordações
Pequenos quadrados de pano
em que se escondem pedaços de vida,
sem padrão pré-desenhado.


Não poderia nunca ser um filme por
lhe faltar um guião,
Nem um romance com príncipio meio e fim...
Talvez um pequeno livro de crónicas
com páginas impressas ainda em branco,
tantos os fins que estão por escrever...

A minha manta de retalhos,
tem as cores do arco-íris
prevalece o verde esperança e o azul da cor do mar
e é debruada a doirado
na certeza dos reflexos de alegria
que o sol guarda para me dar".

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Os traços da tua escrita - José Dimas



...Escreves com delicadeza,

Como se a veludo pintasses,

E abarrotam de sentimentos

Os traços da tua escrita,

Reflexo colorido de um interior

Luminoso, e harmonioso.

Revolvo nas entrelinhas

Dos teus textos, e fico

Fascinado,

Envergo a tua escrita

E deleito-me, enquanto viajo

Ao sabor das palavras,

Das tuas palavras…

Nesse mundo só teu,

Que eu invado pela janela

De um verso.

___________

Nov__2010

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

CANTAR MEU PAI - Carlos Jesus Gil




O meu Pai morreu!...

Não, não foi “apenas” mais um pai que morreu.

A coisa não funciona assim…,

Este era o meu!

Por isso é que para mim

são os dias breves

e as noites sem fim;

a alegria omissa

dá lugar à tristeza, que preguiça;

o canto mais belo já não é assim;

a tela que pinto só tem uma cor,

a da dor!


Não, não foi “apenas” mais um pai que morreu.

Este era o meu,

O do meu irmão e da minha irmã;

O Homem de minha mãe;

O avô dos meus sobrinhos!


Tento cantá-Lo…

Tão fácil fosse

como me é lembrá-Lo!...

Tudo o que me sai, porém,

soa pequeno, muito aquém

do Ser Enorme que foi,

do Poema que escreveu

com a vida que viveu…

E isso também me dói!




05/10/2006

Só um Mundo de Amor pode Durar a Vida Inteira - Miguel Esteves Cardoso


" O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem. Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado,viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a Vida inteira, o amor não.

Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também".

in 'Jornal Expresso'