segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

É Outono - Eugénio de Andrade

É outono, desprende-te de mim.

Solta-me os cabelos, potros indomáveis
sem nenhuma melancolia,
sem encontros marcados,
sem cartas a responder.

Deixa-me o braço direito,
o mais ardente dos meus braços,
o mais azul,
o mais feito para voar.

Devolve-me o rosto de um verão
Sem a febre de tantos lábios,
Sem nenhum rumor de lágrimas
Nas pálpebras acesas.

Deixa-me só, vegetal e só,
correndo como rio de folhas
para a noite onde a mais bela aventura
se escreve exactamente sem nenhuma letra.

Já não necessito de TI _Alberto

Já não necessito de ti
Tenho a companhia nocturna dos animais e a peste
Tenho o grão doente das cidades erguidas no princípio
De outras galáxias, e o remorso.....
.....um dia pressenti a música estelar das pedras
abandonei-me ao silencio.....
é lentíssimo este amor progredindo com o bater do coração
não, não preciso mais de mim
possuo a doença dos espaços incomensuráveis
e os secretos poços dos nómadas
ascendo ao conhecimento pleno do meu deserto
deixei de estar disponível, perdoa-me
se cultivo regularmente a saudade do meu próprio corpo.
Ofício de Amar

domingo, 30 de janeiro de 2011

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Valsa de Um Homem Carente__Jorge Palma



Se alguma vez te parecer
Ouvir coisas sem sentido
Não ligues sou eu a dizer
Que quero ficar contigo
E apenas obedeço
Com as artes que conheço
Ao principio activo que rege desde o começo
E mantêm o mundo vivo.

Se alguma vez me vires fazer
Figuras teatrais
Dignas de um palhaço pobre
Sou eu a dançar a mais nobre
Das danças nupciais
E em minhas plumas cardeais
Em todo o meu esplendor
Sou eu, sou eu nem mais
A suplicar o teu amor.

É a dança mais pungente
Mão atrás e outra à frente
Valsa de um homem carente

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

MANCHA ESCARLATE NOS LÁBIOS_Li Qingzhao

Cansada, deixa o balanço,

...Limpa suas mãos delicadas

Como uma flor frágil coberta de orvalho.

Um leve suor embebe sua roupa.


À vista do estranho, no fundo do jardim,

Com meias de seda, o grampo de ouro escorregando dos cabelos,

Cheia de timidez, ela foge.

Mas na porta entreaberta, volta-se,

Como se quisesse respirar o aroma das ameixas verdes.

domingo, 23 de janeiro de 2011

prin:cesa._Pedro Chagas Freitas


chamo-te princesa, vinho do meu porto – senhora morena que me caiu no goto.

e não sei que passo dar,que fuga querer – não sei sequer como te desejo ter.

sei que te sei e que te quero saber: à lua que se enche de voz, às lágrimas que se erguem na foz.

não sei o que quero – mas sei que não quero: cúmplice por crescer, carinho por vencer.

não sei o que quero – mas sei que me quero:no mundo do teu fundo, na curva da tua estrada – na silhueta da tua chegada.

chamo-te princesa, vinho do meu porto – e é na sombra do teu sorriso que em sorriso me conforto.


(extraído da Página do Facebook do Autor)

A POLÍTICA DO DIA _Natália Correia


Hoje a vida tem o sorriso

dentífrico dos candidatos

e pelas ruas nos aponta

o céu, em múltiplos retratos.



Céu não póstumo ou merecido

em cruel sala de espera

mas entre parêntesis de fogo

festiva véspera de guerra


Teor de montras a vida

com democrático humor

a todos deixa viver

a sua dose de flor.


Publicitária a vida faz

sua campanha eleitoral

prato de vida apetitosa

temperada com humano sal


Televisor férias de verão

tira a vida do seu discurso

e um amor provençal

que nos domestica o urso


Popular a vida é toda

pétalas de apertos de mão.

Que meus versos me vinguem

de cair nesse alçapão!

sábado, 22 de janeiro de 2011

Paz _ Natália Correia


Irreprimível natureza

exacta medida do sem-fim

não atinjas outras distâncias

que existem dentro de mim.



Que os meus outros rostos não sejam

o instável pretexto da minha essência.

Possam meus rios confluir

para o mar duma só consciência.



Quero que suba à minha fronte

a serenidade desta condição:

harmonia exterior à estátua

que sabe que não tem coração.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Fiz um Conto para me Embalar


Fiz com as fadas uma aliança.

A deste conto nunca contar.

Mas como ainda sou criança

Quero a mim própria embalar.



Estavam na praia três donzelas

Como três laranjas num pomar.

Nenhuma sabia para qual delas

Cantava o príncipe do mar.



Rosas fatais, as três donzelas

A mão de espuma as desfolhou.

Nenhum soube para qual delas

O príncipe do mar cantou.

Nuvem Passageira _Hermes de Aquino

Eu sou nuvem passageira,
Que com o vento se vai,
Eu sou como um cristal bonito
Que se quebra quando cai.

Não adianta escrever meu nome n’uma pedra,
Pois essa pedra em pó vai se transformar,
Você não vê que a vida corre com o tempo
Sou um castelo de areia na beira do mar.

(Ar, Ar)

Eu sou nuvem passageira,
Que com o vento se vai,
Eu sou como um cristal bonito
Que se quebra quando cai.

A lua cheia convida para um longo beijo
Mas o relógio te cobra o dia de amanhã
Estou sozinho, perdido e louco no meu leito,
E a namorada analisada por sobre o divã.

(Ar, Ar, Ar) (Ar, Ar,Ar)

Por isso agora o que eu quero e dançar na chuva
Não quero nem saber de me fazer ou me matar
Ou vou deixar um dia fique a minha energia
Sou um castelo de areia na beira do mar
Eu sou nuvem passageira,
Que com o vento se vai,
Eu sou como um cristal bonito
Que se quebra quando cai.

Eu sou nuvem passageira,
Que com o vento se vai,
Eu sou como um cristal bonito
Que se quebra quando cai.

Que se quebra quando cai

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Lua Solitária - Juan Ramón Jímenez


"Eu não voltarei. E a noite

morna, serena, calada,

adormecerá tudo, sob

sua lua solitária".

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Agora que morri de um amor incurável_ Mª Rosário Pedreira


Agora que morri de um amor incurável já não consigo
lembrar o que doeu. Olho o meu corpo estendido
sobre a cama e dou comigo a descrever a sua geografia
com o rigor invejável de um compêndio ― mas como
alguém que apenas conhecesse o mundo pelos mapas.


A morte separa-nos da dor e da sua memória ― se dobrares
neste instante o ângulo do corredor que conduz ao meu
quarto, decerto saberei o teu nome e os nomes das flores
que me trouxeres ― mas já terei esquecido o desencanto
de não as ter recebido noutro tempo, quando morrer de amor
não tinha ainda perdido o efémero estatuto de metáfora.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Venho de Dentro. abiru-se a porta : Luísa Neto Jorge



Venho de dentro, abriu-se a porta:

nem todas as horas do dia e da noite

me darão para olhar de nascente

a poente e pelo meio as ilhas.



Há um jogo de relâmpagos sobre o mundo

de só imaginá-la a luz fulmina-me,

na outra face ainda é sombra


Banhos de sol

nas primeiras areias da manhã

Mansidões na pele e do labirinto só

a convulsa circunvolução do corpo.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

As últimas Vontades _David Mourão Ferreira


As últimas vontades
Deixa ficar a flor,
a morte na gaveta,
o tempo no degrau.

Conheces o degrau:
o sétimo degrau
depois do patamar;
o que range ao passares;
o que foi esconderijo
do maço de cigarros
fumado às escondidas...

Deixa ficar a flor.
E nem murmures.Deixa
o tempo no degrau,
a morte na gaveta.

Conheces a gaveta:
a primeira da esquerda,
que se mantém fechada.
Quem atirou a chave
pela janela fora?

Na batalha do ódio,
destruam-se,fechados,
sem tréguas,os retratos!

Deixa ficar a flor.
A flor? Não a conheces.
Bem sei.Nem eu.Ninguém.
Deixa ficar a flor.
Não digas nada.Ouve.
Não ouves o degrau?
Quem sobe agora a escada?
Como vem devagar!
Tão devagar que sobe...
Não digas nada.Ouve:
é com certeza alguém,
alguém que traz a chave.

Deixa ficar a flor.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Esta Manhã Encontrei o teu nome _Mª do Rosário Pedreira

Esta manhã encontrei o teu nome nos meus sonhos
e o teu perfume a transpirar na minha pele. E o corpo
doeu-me onde antes os teus dedos foram aves
...de verão e a tua boca deixou um rasto de canções.

No abrigo da noite, soubeste ser o vento na minha
camisola; e eu despi-a para ti, a dar-te um coração
que era o resto da vida - como um peixe respira
na rede mais exausta. Nem mesmo à despedida

foram os gestos contundentes: tudo o que vem de ti
é um poema. Contudo, ao acordar, a solidão sulcara
um vale nos cobertores e o meu corpo era de novo
um trilho abandonado na paisagem. Sentei-me na cama
e repeti devagar o teu nome, o nome dos meus sonhos,
mas as sílabas caíam no fim das palavras, a dor esgota
as forças, são frios os batentes nas portas da manhã.

Boa Noite_ Albano Martins

A tarde

diz ao dia:
- Boa noite!



(in "Com as Flores do Salgueiro", 1995)

O Rouxinol_ALBANO MARTINS


O rouxinol não sabe
que o seu canto
é verde.



(in "Com as flores do Salgueiro", 1995)

manuel 6 vezes pensei em ti _ Àlamo de Oliveira



Manuel
quando pensei em ti     pella primeira vez 
usavas um bibi de sorrisos
atado com dois laços incertos
quase sempre rôtos e sujos
porque a tua mãe não ganhava para sabão.

quando pensei em ti pela segunda vez
vi-te correr suspenso a uma borboleta
ainda nu de preconceitos
com calções de ideias curtas
sem dúvidas nem venenos
eras a verdade dos pássaros
na tua liberdade que desconhecias.

quando pensei em ti    pela  terceira vez
já tinhas mastigado a terra dos milhos
sugado     com a ponta da inteligência
o teu suor dos outros
num cálice talhado de rocha negra
banhavas o cérebro e os desejos
num avião da pan america.
começavas a sentir a ilha no pescoço
como uma coleira de cão.

quando pensei em ti     pela quarta vez
eras o contrário do movimento.
Um sexo enorme devorava-te    manuel,
e a tua adolescêmcia ultrapassada
estava resumida nas tuas galças de ganga
e numa camisa despovoada
que ratinhos inconformados ruminavam
até te espetares na margarida
- uma flor que nem sequer tem espinhos
os teus pés descalços eram o retrato do teu povo.


o cordão umbilical do teu casamento.
a ilha era a tua cama (e a dos outros)
e tu tinhsa a consciência de que eras incapaz
de desflorar a margarida
na tua ilha de parasitas e insectos
na tua ilha sebenta e recheada de pobres
-de pele e de espírito -
como tu e como eu e como...
como o nosso deus feito ilhéu.

quando pensei em ti    pela última vez
tinhas três filhos gerados nos teus olhos
e un cacho de esperanças murchas
pendurado no alpendre da tua fantasia.

manuel
o melhor é nem pensar
nos rebuçados que não comeste na infância.          

In "Triste Vida Leva a Garça"

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

A Minha Casinha_Fátima Ramos

Ilha Terceira Vila Nova
Casa de Chaminé de Mãos Postas 





A minha casinha
vai ser tão singela
alva e branquinha,
janelas e portas
debruadas
a amarelo
para que o sol
e a alegria
a venham
visitar.


A minha casinha
vai ter as mãos
postas em oração
nas chaminés
no telhado
pedindo aos Céus
Ventura e Benção,
e um jardim imenso
com mil e uma hortênsias
cercado de verdes
cerrados e
no horizonte,
sempre visível,
o Azul profundo
e a imensidão do mar.

Nossos














Nossos
Só o silêncio
e os ossos

Só esta breve e vã
laboração

Só esta leve má-
quina da mão

Só este mó-
vel mó
do coração

Nossos
só o silêncio
e os ossos

Atlântida _Vasco Pereira da Costa

Quando uma ilha se afunda
deixa na linha do horizonte a dúvida
e espalha círculos vazios no mar
- que são perguntas diluídas, imagens
de nuvens, sintaxe de silêncio,
deuses perdidos, memórias do esquecimento.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Posse_Leonor de Almeida

Vem cá! Assim, verticalmente!
Achega-te...Docemente...
Vou olhar-te...E, no teu olhar, colher
Promessas do quero prometer,
Até à síncope de amor na alma!
Colemos as mãos, palma a palma!
A minha boca na tua, sem beijo...
Desejo-te, até o desejo
Se queixar que dói...

E sou tua, assim, como nenhuma foi!


in " Caminhos Frios"

A música que ecoa - Fátima Ramos

Dia e noite, a música,
sempre a mesma música,
ecoa em mim.
Tento calá-la
mas prossegue,
mais alta na escuridão,
quase imperceptível
à luz da alegria
dos que me rodeiam.
Mas está lá, sempre lá,
lembrando a
razão de eu estar triste,
e que a tua presença em mim
persiste.
Por mais que não queira,
Tu e triste música estão comigo,
presentes ostensivamente no
meu silêncio, na minha solidão,
nas minhas noites em claro,
quando a canto, quando a calo.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Foder-te Amor __ Pedro Chagas Fragas

Caminho pelo lado da rebentação das ondas_ Mª do Rosário Pedreira


Caminho pelo lado da rebentação das ondas ―
o litoral guarda segredo dos meus passos entre
as redes de sal trazidas pelos barcos
o labirinto das algas ainda agora oferecidas

à praia. Sinto-me à mercê das falésias a riscar
o teu nome na areia; e é como se lentamente
pronunciasse um chamamento triste a que ninguém
acode. Fez-se tarde para os lamentos das sereias:

agora as marés dobam novelos de espuma à roda
dos meus pés, as águas já não transportam
a minha voz, a perder-se sobre as dunas
que os ventos vão desbastando devagar

ao cair da noite. Tenho sempre medo que não voltes.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Fado _ Mª Rosário Pedreira

Dizem os ventos que as marés não dormem esta noite.
Estou assustada à espera que regresses: as ondas já
engoliram a praia mais pequena e entornaram algas
nos vasos da varanda. E, na cidade, conta-se que
as praças açoitaram à tarde dezenas de gaivotas
que perseguiram os pombos e os morderam.


A lareira crepita lentamente. O pão ainda está morno
à tua mesa. Mas a água já ferveu três vezes
para o caldo. E em casa a luz fraqueja, não tarda
que se apague. E tu não tardes, que eu fiz um bolo
de ervas com canela; e há compota de ameixas
e suspiros e um cobertor de lã na cama e eu
estou assustada. A lua está apenas por metade,
a terra treme. E eu tremo, com medo que não voltes.

Morna (lembrança de Cabo Verde)_Maria Almira Medina

A lua ensinou
as mãos de Celso Estrela
a dar ritmo ao violão.
A noite desceu,
desceu
e sentou-se a escutar.
Um rio de música brotou
entre dedos e cordas
e correu manso para o mar.
Fez domingo na boca do Agostinho
e a noite desmaiou.

sábado, 8 de janeiro de 2011

Distância_Cindy Kat / Ricardo Camacho

http://emtonsdeazul2.blogspot.com/2011/01/distancia-cindy-kat.html

De noite fico acordado
Por não te ter a meu lado
Só penso em ti
Só penso em ti

Esqueci os sonhos na esperança
De encontrar paz na distância
Só penso em ti
Só penso em ti

E eu não vou poder ser
A certeza desse amor
Aquele que te faz voltar
E eu não vou poder ser
Aquele que não ficou
Perdido sem o teu olhar

Penso em ti
Penso em ti

E eu não vou poder ser
A certeza desse amor
Aquele que te faz voltar
E eu não vou poder ser
Aquele que não ficou
Perdido sem o teu olhar.

Agora acordo com medo
De ter esquecido o teu nome
Só penso em ti
Só penso em ti

Tão grande é o silêncio
Onde se perdem os dias
Só penso em ti
Só penso em ti

E eu não vou poder ser
A certeza desse amor
Aquele que te faz voltar
E eu não vou poder ser
Aquele que não ficou
Perdido sem o teu olhar

Sete Luas_Natália Correia

Há noites que são feitas dos meus braços
e um silêncio comum às violetas
e há sete luas que são sete traços
de sete noites que nunca foram feitas.


Há noites que levamos à cintura
como um cinto de grandes borboletas.
E um risco a sangue na nossa carne escura
duma espada à bainha de um cometa.


Há noites que nos deixam para trás
enrolados no nosso desencanto
e cisnes brancos que só são iguais
à mais longínqua onda de seu canto.

Há noites que nos levam para onde
o fantasma de nós fica mais perto:
e é sempre a nossa voz que nos responde
e só o nosso nome estava certo.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

O Rosto aquele rosto _José Maria de Aguiar Carreiro

Entre portas um aveludado rosto
prenuncia: logo existe o meu espaço.
Eu toco então aquele rosto este rosto
aquele rosto
conheço as mãos no corpo no rosto
o toque desfasado toque
na quase intimidade do olhar
o beijo.

Hoje acabo o desenho das letras
desenho rosto
pronuncio-o e tu és lá
roço nele até à precisão do t
mas o que fica é esta preparação para o beijo
que a vogal me coloca.

Digo o teu nome
os dentes tocam o lábio inferior
e aí começo a saborear-te
toda a boca te trabalha
um som nasal ressoa no crânio
mexe-me.



in "Chuva de Época"

O Gato_António Gedeão



Quem há-de abrir a porta ao gato
quando eu morrer?

Sempre que pode
foge prá rua
cheira o passeio
e volta para trás,
mas ao defrontar-se com a porta fechada
(pobre do gato!)
mia com raiva
desesperada.

Deixo-o sofrer
que o sofrimento tem sua paga,
e ele bem sabe.

Quado abro a porta corre para mim
como acorre a mulher aos braços do amante.
Pego-lhe ao colo e acaricio-o
num gesto lento,
vagarosamente,
do alto da cabeça até ao fim da cauda.
Ele olha-me e sorri, com os bigodes eróticos,
olhos semi-cerrados, em êxtase,
ronronando.

Repito a festa,
vagarosamente,
do alto da cabeça até ao fim da cauda.
Ele aperta as maxilas,
cerra os olhos,
abre as narinas,
e rosna,
rosna, deliquescente,
abraça-me
e adormece.

Eu não tenho gato, mas se o tivesse
quem lhe abriria a porta quando eu morresse?

Auto-retrato_Natália Correia


Artur Bual - 'Natália Correia', óleo sobre tela

Espáduas brancas palpitantes:
asas no exílio dum corpo.
Os braços calhas cintilantes
para o comboio da alma.
E os olhos emigrantes
no navio da pálpebra
encalhado em renúncia ou cobardia.
Por vezes fêmea. Por vezes monja.
Conforme a noite. Conforme o dia.
Molusco. Esponja
embebida num filtro de magia.
Aranha de ouro
presa na teia dos seus ardis.
E aos pés um coração de louça
quebrado em jogos infantis.




quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

NÃO VÊS O LEÃO DO ZOO?! _ Carlos Jesus Gil


Pedes-me asilo?

Sim, acoito-te.

...Acoito-te

Não te resguardo

Que assim não crias defesas.

Não vês o leão do zoo?!



(Publicado a autorização do autor. A transcrição deve mencionar o autor (Carlos Jesus Gil) e a fonte de publicação)

Porque me olhas assim..._ Fausto

http://emtonsdeazul2.blogspot.com/2011/01/porque-me-olhas-assim-fausto.html


Diz-me agora o teu nome
se já dissemos que sim
pelo olhar que demora
porque me olhas assim
porque me rondas assim
Toda a luz da avenida
se desdobra em paixão
magias de druida
pelo teu toque de mão
soam ventos amenos
pelos mares morenos
do meu coração.

Espelhando as vitrinas
da cidade sem fim
tu surgiste divina
porque me abeiras assim
porque me tocas assim
e trocámos pendentes
velhas palavras tontas
com sotaque diferentes
nossa prosa está pronta
dobrando esquinas e gretas
pelo caminho das letras
que tudo o resto não conta

E lá fomos audazes
por passeios tardios
vadiando o asfalto
cruzando outras pontes
de mares que são rios
e num bar fora de horas
se eu chorar perdoa
ó meu bem é que eu canto
por dentro sonhando
que estou em Lisboa

Dizes-me então que sou teu
que tu és toda pra mim
que me pões no apogeu
porque me abraças assim
porque me beijas assim
por esta noite adiante
se tu me pedes enfim
num céu de anúncios brilhantes
vamos casar em Berlim
à luz vã dos faróis
são de seda os lençóis
porque me amas assim.

palavrasoltas_Álamo de Oliveira


nesta tarde de silêncio segurado
a palavra sai domingueira e falsa.

nada sustenta a noite dos vampiros
e prepara-se a novena duma mulher descalça.

as casas da cidade vão retelhar-se de luar
os cinemas estão vestidos com os cartazes na testa.

grande grande é a nudez da baía
que sem barcos já não quer ir á festa.

e eu escrevo porque não suporto a tarde
e eu escrevo porque gosto de amar.

mas não me lastimem o gosto nem a voz
de verdade eu sei que não sei cantar...

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

A Magnólia_Luiza Neto Jorge

A exaltação do mínimo,

e o magnífico relâmpago

do acontecimento mestre

restituem a forma

o meu resplendor.


Um diminuto berço me acolhe

onde a palavra se elide

na matéria — na metáfora —

necessária, e leve, a cada um

onde se ecoa e resvala.


A magnólia,

o som que se desenvolve nela

quando pronunciada,

é um exaltado aroma

perdido na tempestade,

um mínimo ente magnífico

desfolhando relâmpagos

sobre mim.

Outra Voz_ Mª do Rosário Pedreira

Ela não pediu esse silêncio. Mas também nada fez
para defender-se dele ou dominá-lo. Quando entrou,
a casa tinha-se calado de repente, as coisas dele
tinham mudado de lugar, desaparecido, e não importava
que tivesse sido ela própria a escondê-las, de véspera,
na arca das lãs que só voltaria abrir no inverno.

Ela não quis conhecer esse silêncio. Soube apenas
que não voltaria a ouvir a voz dele
no espelho do seu quarto ― a outra voz.

Sentou-se no chão e abriu um pequeno livro de capa azul.
Naquele fim de tarde, só mesmo os livros podiam dizer
algo mais que o silêncio ― essa outra voz.

Coro dos Velhos do Corvo _ Vasco Pereira da Costa,

Um dia demos as mãos
subimos ao pico da ilha.




Num rochedo fomos gerados pelo amor
da solidão. Nascemos do mar e da pedra.
Meninos brincámos ao tempo o único
brinquedo que nossos avós forjaram
na navalha das noites aluadas.
Éramos a chuva que inundava
nossos pés sem caminhos de andar.
Éramos o vento em correria na vertente
do pico que nos vencia.
Éramos o sol aquecendo nossa pele
de sal ardente e maresia.
Alguns tiveram um barco no silêncio
da viagem para oeste apetecida
e disseram haver e ser atalhos
sem fim e terras sem mar.
Mas ficámos presos ao verde
que atapeta nosso rochedo
e nosso sonho na partida adiada.

Anediámos os úberes das vacas
os seios de uma mulher
os flancos das ove1has.
Apetecemos os pêlos das raízes
o orvalho dos lábios a doçura
das ervas nas manhãs brandas.
Falámos amor num só dia
e calámos. A nossa raiva
num instante emudecida.
Os nossos gestos desperdiçados
numa hora. Depois voltámos
a olhar o mar e éramos
homens no limite da vida.
Revolvemos o caldeirão plantámos
o milho e a novidade soubemos
curar o queijo erguer labaredas
na pá do forno na paz da cozinha.
Criamos filhos no embalo
dos dedos no arame da viola
no baloiço da onda na voz
da mulher que os parira. Que também
eles tinham sido gerados
pela solidão do mar e da pedra.

Um dia demos as mãos
subimos ao pico da ilha.
Aos filhos revelámos a cratera
a lagoa com ilhotas figurando outras
terras de só ter o mar.
Dissemos os verdes diferentes
de ver a chuva o vento o sol.
Apontámos a distinção do céu
e das águas confundidas.
E mostramos um barco para oeste
no murmúrio da viagem incitada.

Ficámos. À navalha raspamos
o tempo para os netos que não temos.
Tropeçamos nos carreiros os passos
que não se dão. Contamos nos degraus
da igreja as palavras ditas
da dita de quem partiu. Desenhamos
no terreiro traços do que calamos
? a única coisa que temos.
E mais a ilha. Cá estamos.

Gloria Efémera _ António Arnaut

O rosto do cartaz eleitoral
sobre um fundo de promessas, a sorrir
lembrava um maioral
a franquear as portas do porvir.

Vota! O apelo era um alaúde
a embalar a fome atávica da grei;
haverá trabalho, habitação, saúde,
tudo o que até agora não vos dei.

Mas o vento límpido, ingrato
naquele domingo de eleições
ia desfazendo o candidato
em cruéis, frenéticos rasgões.

E quando a noite desceu
um varredor indeciso,
sonâmbulo, varreu
os últimos detritos do sorriso.

Mar com poeta dentro _ Álamo Oliveira

Foto de Fátima Ramos
Pico, Agosto de 2008
O corpo da ilha não tem nome
próprio de quem se rodeia de orvalhos antigos.
quando navega não tem
rumo nem destino.
no cais a penumbra branca desce
sobre a viagem adormecida.

desconhece-se que poeta foi ver o mar por dentro.
mas sabe-se quem grafitou com sonhos
os muros da solidão.

Pedro _ Mª do Rosário Pedreira

Contavam as sereias que na tempestade os seus olhos
os barcos adormeciam tontos, cansados das marés;
que os seus beijos sabiam a mar e que na sua pele crestada
pelo sol havia cintilância das ondas ao meio-dia;
que os seus ombros lembravam promontórios e que neles
as mulheres deixavam naufragar as mãos e os lábios;
que uma noite tocara a lua com os seus dedos mastros
e ouvira uma voz dentro de si, vinda de muito longe;
que era hábil com as redes, como com as palavras.

Alguém veio pedir-lhe que abandonasse os peixes
pelos homens. Em troca, receberia
um templo eterno, uma chave, o privilégio de decidir
todos os lugares a chuva, um nome novo
para poder negar tudo o que vira antes.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

O Poema _ Natália Correia

O poema não é o canto
que do grilo para a rosa cresce.
O poema é o grilo
é a rosa
e é aquilo que cresce.

É o pensamento que exclui
uma determinação
na fonte donde ele flui
e naquilo que descreve.
O poema é o que no homem
para lá do homem se atreve.

Os acontecimentos são pedras
e a poesia transcendê-las
na já longínqua noção
de descrevê-las.

E essa própria noção é só
uma saudade que se desvanece
na poesia. Pura intenção
de cantar o que não conhece.

Cinco palavras cinco pedras _ Ruy Belo

Antigamente escrevia poemas compridos
Hoje tenho quatro palavras para fazer um poema
São elas: desalento prostração desolação
                                                desânimo

E ainda me esquecia de uma: desistência
Ocorreu-me antes do fecho do poema
E em parte resume o que penso da vida
Passado o dia oito em cada mês
Destas cinco palavras me rodeio
E delas vem a música precisa
Para continuar. Recapitulo:
Desistência desalento prostração desolação
                                                     desânimo

Antigamente quando os deuses eram grandes
Eu sempre dispunha de muitos versos
Hoje só tenho cinco palavras cinco pedrinhas.

Sinais Que No Amor Se Adiantam - Natália Correia

No teu olhar se esfuma e desvanece
A cidade onde o corpo por enquanto é preciso.
É quando a outra face do luar aparece
E o balir das ovelhas tem o som do meu riso.
Para tapar meu seio já nenhum astro tece
A roupa com que outrora saí do paraíso.
O pudor é da terra. Só por isso anoitece
E a nudez dos amantes é não darem por isso.
A semente do filho que em nós amadurece
Trouxe-a no bico a pomba que o seu reino prepara.
Por isso na cidade já ninguém nos conhece
Pois que ambos trazemos esse filho na cara.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Quero - Carlos Drummond de Andrade

Quero que todos os dias do ano
todos os dias da vida
de meia em meia hora
de 5 em 5 minutos
me digas: Eu te amo.

Ouvindo-te dizer: Eu te amo,
creio, no momento, que sou amado.
No momento anterior
e no seguinte,
como sabê-lo?

Quero que me repitas até a exaustão
que me amas que me amas que me amas.
Do contrário evapora-se a amação
pois ao dizer: Eu te amo,
desmentes
apagas
teu amor por mim.

Exijo de ti o perene comunicado.
Não exijo senão isto,
isto sempre, isto cada vez mais.

Quero ser amado por e em tua palavra
nem sei de outra maneira a não ser esta
de reconhecer o dom amoroso,
a perfeita maneira de saber-se amado:
amor na raiz da palavra
e na sua emissão
amor
saltando da língua nacional,
amor
feito som
vibração espacial.

No momento em que não me dizes:
Eu te amo,
inexoravelmente sei
que deixaste de amar-me,
que nunca me amaste antes.

Se não me disseres urgente repetido
Eu te amoamoamoamoamoamo,
verdade fulminante que acabas de desentranhar,
eu me precipito no caos,
essa coleção de objetos de não-amor.

Povoamento - Ruy Belo


No teu amor por mim há uma rua que começa

Nem árvores nem casas existiam

antes que tu tivesses palavras

e todo eu fosse um coração para elas

Invento-te e o céu azula-se sobre esta

triste condição de ter de receber

dos choupos onde cantam

os impossíveis pássaros

a nova primavera

Tocam sinos e levantam voo

todos os cuidados

Ó meu amor nem minha mãe

tinha assim um regaço

como este dia tem

E eu chego e sento-me ao lado

da primavera.

Retrato Talvez Saudoso da Menina Insular - Natália Correia

Tinha o tamanho da praia
o corpo era de areia.
Ele próprio era o início
do mar que o continuava.
Destino de água salgada
principiado na veia.
E quando as mãos se estenderam
a todo o seu comprimento
e quando os olhos desceram
a toda a sua fundura
teve o sinal que anuncia
o sonho da criatura.
Largou o sonho nos barcos
que dos seus dedos partiam
que dos seus dedos paisagens
países antecediam.
E quando o seu corpo se ergueu
Voltado para o desengano
só ficou tranquilidade
na linha daquele além.
Guardada na claridade
do olhar que a retém.

Já - Clarice Lispector


Já escondi um AMOR com medo de perdê-lo, já perdi um AMOR por escondê-lo.
Já segurei nas mãos de alguém por medo, já tive tanto medo, ao ponto de nem sentir minhas mãos.
Já expulsei pessoas que amava de minha vida, já me arrependi por isso.
Já passei noites chorando até pegar no sono, já fui dormir tão feliz, ao ponto de nem conseguir fechar os olhos.
Já acreditei em amores perfeitos, já descobri que eles não existem.
Já amei pessoas que me decepcionaram, já decepcionei pessoas que me amaram.
Já passei horas na frente do espelho tentando descobrir quem sou, já tive tanta certeza de mim, ao ponto de querer sumir.
Já menti e me arrependi depois, já falei a verdade e também me arrependi.
Já fingi não dar importância às pessoas que amava, para mais tarde chorar quieta em meu canto.
Já sorri chorando lágrimas de tristeza, já chorei de tanto rir.
Já acreditei em pessoas que não valiam a pena, já deixei de acreditar nas que realmente valiam.
Já tive crises de riso quando não podia.
Já quebrei pratos, copos e vasos, de raiva.
Já senti muita falta de alguém, mas nunca lhe disse.
Já gritei quando deveria calar, já calei quando deveria gritar.
Muitas vezes deixei de falar o que penso para agradar uns, outras vezes falei o que não pensava para magoar outros.

Já fingi ser o que não sou para agradar uns, já fingi ser o que não sou para desagradar outros.
Já contei piadas e mais piadas sem graça, apenas para ver um amigo feliz.
Já inventei histórias com final feliz para dar esperança a quem precisava.
Já sonhei demais, ao ponto de confundir com a realidade... Já tive medo do escuro, hoje no escuro "me acho, me agacho, fico ali".
Já cai inúmeras vezes achando que não iria me reerguer, já me reergui inúmeras vezes achando que não cairia mais.
Já liguei para quem não queria apenas para não ligar para quem realmente queria.
Já corri atrás de um carro, por ele levar embora, quem eu amava.
Já chamei pela mamã no meio da noite fugindo de um pesadelo. Mas ela não apareceu e foi um pesadelo maior ainda.
Já chamei pessoas próximas de "amigo" e descobri que não eram... Algumas pessoas nunca precisei chamar de nada e sempre foram e serão especiais para mim.

Não me dêem fórmulas certas, porque eu não espero acertar sempre.
Não me mostre o que esperam de mim, porque vou seguir meu coração!
Não me façam ser o que não sou, não me convidem a ser igual, porque sinceramente sou diferente!

Não sei amar pela metade, não sei viver de mentiras, não sei voar com os pés no chão.
Sou sempre eu mesma, mas com certeza não serei a mesma pra SEMPRE! “

domingo, 2 de janeiro de 2011

Barquito de Papel - Joan Manuel Serrat

Barquito de papel,
sin nombre, sin patrón
y sin bandera,
navegando sin timón
donde la corriente quiera.

Aventurero audaz,
jinete de papel
cuadriculado,
que mi mano sin pasado
sentó a lomos de un canal.

Cuando el canal era un río,
cuando el estanque era el mar,
y navegar
era jugar con el viento,
era una sonrisa a tiempo,
fugándose feliz
de país en país,
entre la escuela y mi casa,
después el tiempo pasa
y te olvidas de aquel
barquito de papel.

Barquito de papel,
en qué extraño arenal
han varado
tu sonrisa y mi pasado,
vestidos de colegial.

http://emtonsdeazul2.blogspot.com/2011/01/barquito-de-papel-joan-manuel-serrat.html

Te Extraño - Armando Mazanero (Pedaços Soltos)

http://emtonsdeazul2.blogspot.com/2011/01/te-extrano-armando-mazanero.html

Te extraño
como los arboles extrañan el otoño
en esas noches que no concilio el sueño
no te imaginas amor como te extraño.

Te extraño
en cada paso que siento solitario
cada momento que voy viviendo a diario
estoy muriendo amor porque te extraño.

Secreta Mujer _ Joan Manuel Serrat (Pedaços Soltos)

 http://emtonsdeazul2.blogspot.com/2011/01/secreta-mujer-joan-manuel-serrat.html

Secreta mujer.
Atravesada entre mis párpados le quiero decir,
le quiero pedir que me deje, que se vaya.
Pero no puedo hablar a mi pesar.
Atravesada en la garganta, me atormenta una mujer esa mujer,
esa secreta mujer.
Arránqueme, señora, las ropas.
Desnúdeme.
Arránqueme, señora, las dudas.
Desdúdeme.
Arránqueme, señora, las ropas y las dudas.

sábado, 1 de janeiro de 2011

Poema de amor - Juan Manuel Serrat

El sol nos olvidó ayer sobre la arena,
nos envolvió el rumor suave del mar,
tu cuerpo me dio calor,
tenía frío

y, allí, en la arena, entre los dos nació este poema,
este pobre poema de amor
para ti

Mi fruto, mi flor,
mi historia de amor,
mi caricias.

Mi humilde candil,
mi lluvia de abril,
mi avaricia.


Mi trozo de pan,
mi viejo refrán,
mi poeta.

La fe que perdí,
mi camino
y mi carreta.

Mi dulce placer,
mi sueño de ayer,
mi equipaje.

Mi tibio rincón,
mi mejor canción,
mi paisaje.

Mi manantial,
mi cañaveral,
mi riqueza.

Mi leña, mi hogar,
mi techo, mi lar,
mi nobleza.

Mi fuente, mi sed,
mi barco, mi red
y la arena.

Donde te sentí,
donde te escribí
mi poema…

http://www.youtube.com/watch?v=d4qOFphWKEU