segunda-feira, 9 de maio de 2011

Gosto-te __Joaquim Pessoa

Gosto-te. E desta certeza se abre a manhã como uma

imensa rosa de desejo indestrutível. O futuro é o pró-
ximo minuto, o que está para além da infatigável religi-
ão dos meus versos, em cuja luz me acendo, feliz e nu.

O meu sorriso conhece a bondade dos animais, o po-
der frágil das corolas, e repete o nome feminino dos ar-
canjos de peitos redondos, perfumados pelas giestas
das veredas do céu.

Gosto-te. Amarrado pelos meus braços de beduíno do
sol, pobre senhor dos desertos, profeta da distância
que há dentro das palavras, onde se alongam sombras
e o sofrimento se estende até à orla da mais inquieta
serenidade.

Gosto-te. E tenho sido feliz por nunca ter seguido os
trilhos que me quiseram destinar. Aqui e ali me pergun-
to, despudoradamente. E sei que não sei mentir. É por
isso, que recolho na face a luz imprescindível ao orgu-
lho dos peixes e dos frutos.

Gosto-te. "Na-na-na, na-ô... Na-na-na, na-ô... na nô",
canta o espírito do caminho, canta para mim e canta pa-
ra ti, eleva o coração das árvores grandes, coração de
coragem e de sangue fresco e verde, apaixonado e do-
ce, de tanto contemplar o perfil das tardes.

Gosto-te. Mas "longe" é agora uma palavra húmida, grá-
vida de água, onde os sinos da erva tocam para convocar
o imenso amor das sílabas. E, ao procurar-te, tremo ape-
nas de ternura, para que nem mesmo a inteligente brisa
da tarde possa dar pela minha presença.
Mais discreto que isto é impossível.

sábado, 7 de maio de 2011

NÃO VOLTEI A ESSE CORPO___Mª do Rosário Pedreira


Não voltei a esse corpo; e não sei

se aqueles que o vestiam antes e depois

de mim souberam nele o verdadeiro calor

...e lhe conheceram os perigos, os labirintos,

as pequenas feridas escondidas. Não voltarei

provavelmente a sentir a respiração

palpitante desse corpo, desse lugar onde as ondas

rebentavam sempre crespas junto do peito, do meu peito

também, às vezes.



Uma noite outro corpo virá lembrar essa maresia,

o cheiro do alecrim bruscamente arrancado à falésia.

E eu ficarei de vigília para ter a certeza de quem me

recolheu,

porque os cheiros tornam os lugares parecidos, confundíveis.



Quando a manhã me deixar de novo sozinha no meu quarto

trocarei os lençóis da cama por outros, mais limpos.