sábado, 31 de julho de 2010
A esposa - Vinicius de Moraes
"Às vezes, nessas noites frias e enevoadas
Onde o silêncio nasce dos ruídos monótonos e mansos
Essa estranha visão de mulher calma
Surgindo do vazio dos meus olhos parados
Vem espiar minha imobilidade.
E ela fica horas longas, horas silenciosas
Somente movendo os olhos serenos no meu rosto
Atenta, à espera do sono que virá e me levará com ele.
Nada diz, nada pensa, apenas olha – e o seu olhar é como a luz
De uma estrela velada pela bruma.
Nada diz. Olha apenas as minhas pálpebras que descem
Mas que não vencem o olhar perdido longe.
Nada pensa. Virá e agasalhará minhas mãos frias
Se sentir frias suas mãos.
Quando a porta ranger e a cabecinha de criança
Aparecer curiosa e a voz clara chamá-la num reclamo
Ela apontará para mim pondo o dedo nos lábios
Sorrindo de um sorriso misterioso
E se irá num passo leve
Após o beijo leve e roçagante...
Eu só verei a porta que se vai fechando brandamente...
Ela terá ido, a esposa amiga, a esposa que eu nunca terei".
in "O caminho para a distância"
in "Poesia completa e prosa: "O sentimento do sublime"
Cor de Choro
"Quanta concentração precisava para conseguir voltar para casa! Como se em casa estivesse a minha salvação. Mas era exactamente o contrário, era ali que começavam todos os meus bamboleios.
Porém, ali, estavam escondidos do mundo, e eu sentia-me mais tranquila.
Uma casa, quando choraste muito lá dentro, torna-se uma má casa. Chorar ao ar livre, abrir uma janela quando não se tem um terraço. É melhor apanhar frio que destruir a própria casa.
Percebeste (...) ?
Nunca se deve chorar dentro de casa. Nunca. Mas, afinal, ambos chorámos tanto ali, tingimos as nossas casas com o choro. Bonita cor, como se chama?
Cor de choro."
Romana Petri, "Regresso à Ilha" (do Pico)
sexta-feira, 30 de julho de 2010
Dá-me um bocadinho do teu amor todos os dias...
"Dá-me um bocadinho do teu amor
todos os dias
Não mo dês todo hoje
que amanhã vou precisar dele outra vez
eu sei
...conheço-me bem
e nesse aspecto
sou exactamente como o resto da humanidade
preciso de ser amado todos os dias
só espero não morrer muito velhinho
para que o teu amor me
dure até ao fim da vida"
in "O cheiro da sombra das flores"
Sou os mil ventos que sopram...(a meu Pai)
"Não pares junto à minha campa a chorar,
Porque eu não estou lá.
Sou os mil ventos que sopram,
Sou o brilho do diamante na neve,
Sou a luz do Sol na semente madura,
Sou a chuva branda do Outono,
Na quietude macia da luz matutina
Sou a ave que voa veloz.
Não pares junto à minha Campa a chorar,
Eu não estou lá,
Eu não morri".
(Autor nativo americano, desconhecido)
Homenagem a António Feio
«Aproveitem a vida e ajudem-se uns aos outros. Apreciem cada momento, agradeçam e não deixem nada por dizer».
- António Feio -
quinta-feira, 29 de julho de 2010
Mil Corações Batiam
"E quando notou que aceitava em pleno o amor, sua alegria foi tão grande que o coração lhe batia por todo o corpo, parecia-lhe que mil corações batiam-lhe nas profundezas da sua pessoa"
- Clarice Lispector -
terça-feira, 27 de julho de 2010
Amor nos três pavimentos - Vinicius de Moraes
Eu não sei tocar, mas se você pedir
Eu toco violino fagote trombone saxofone.
Eu não sei cantar, mas se você pedir
Dou um beijo na lua, bebo mel himeto
Pra cantar melhor.
Se você pedir eu mato o papa, eu tomo cicuta
Eu faço tudo que você quiser.
Você querendo, você me pede, um brinco, um namorado
Que eu te arranjo logo.
Você quer fazer verso? É tão simples!... você assina
Ninguém vai saber.
Se você me pedir, eu trabalho dobrado
Só pra te agradar.
Se você quisesse!... até na morte eu ia
Descobrir poesia.
Te recitava as Pombas, tirava modinhas
Pra te adormecer.
Até um gurizinho, se você deixar
Eu dou pra você...
in "Poesia completa e prosa: "A saudade do quotidiano"
segunda-feira, 26 de julho de 2010
Colada à tua boca a minha desordem.
" Colada à tua boca a minha desordem.
O meu vasto querer.
O incompossível se fazendo ordem.
...Colada a tua boca, mas descomedida
Árdua
Construtor de ilusões examino-te sôfrega
Como se fosses morrer colado à minha boca.
Como se fosse nascer
E tu fosses o dia magnânimo
Eu te sorvo extremada à luz do amanhecer."
Só posso deixar-me ir com a maré...
" O gelo é frio e as rosas são vermelhas. Estou apaixonada. E este amor vai decerto arrastar-me para longe. A corrente é demasiado forte, não tenho escolha possível. Mas já não posso voltar atrás. Só posso deixar-me ir com a maré. Mesmo que comece a arder, mesmo que desapareça para sempre"
"Suptnik meu Amor" , Haruki Murakami
domingo, 25 de julho de 2010
Poemas aos Homens do nosso Tempo - IX
Ao teu encontro, Homem do meu tempo,
E à espera de que tu prevaleças
À rosácea de fogo, ao ódio, às guerras,
Te cantarei infinitamente à espera de que um dia te conheças
E convides o poeta e a todos esses amantes da palavra, e os outros,
Alquimistas, a se sentarem contigo à tua mesa.
As coisas serão simples e redondas, justas. Te cantarei
Minha própria rudeza e o difícil de antes,
Aparências, o amor dilacerado dos homens
Meu próprio amor que é o teu
O mistério dos rios, da terra, da semente.
Te cantarei Aquele que me fez poeta e que me prometeu
Compaixão e ternura e paz na Terra
Se ainda encontrasse em ti, o que te deu.
quinta-feira, 8 de julho de 2010
As Sete Penas do Amor Errante
Eu não sei se os teus olhos se gaivotas
mas era o mar e a Índia já perdida
as ilhas e o azul o longe e as rotas
minha vida em pedaços repartida.
Eu não sei se o teu rosto se um navio
mas era o Tejo a mágoa a brisa o cais
meu amor a partir-se à beira-rio
em uma nau chamada nunca mais.
Eu não sei se os teus dedos se as amarras
mas era algo que partia e que
ficava. Ou talvez cordas de guitarras
ó meu amor de embarque desembarque.
Eu não sei se era amor ou se loucura
mas era ainda o verbo descobrir
ó meu amor de risco e de aventura
não sei se Ceuta ou Alcácer Quibir.
Eu não sei se era perto se distante
mas era ainda o mar desconhecido
ou Camões a penar por Violante
as sete penas do amor proibido.
Eu não sei se ventura se castigo
mas era ainda o sangue e a memória
talvez o último cantar de amigo
amor de perdição amor de glória.
Eu não sei se teu corpo se meu chão
mas era ainda a terra e o mar. E em cada
teu gesto a grande peregrinação
das sete penas do amor lusíada.
quarta-feira, 7 de julho de 2010
Valsa
Ficámos finalmente meu amor
Na praia dos lençóis amarrotada
O mal que venha é sempre um mar menor
Sorriso de vazante na almofada
Se chamo som das ondas ao rumor
Dos passos dos vizinhos pela escada
É porque à noite acordo de terror
De me encontrar sem ti de madrugada
Qual a cor desta noite e de que dedos
São feitas estas mãos que não me dás
Ó meu amor a noite tem segredos
Que dizem coisas que não sou capaz.
terça-feira, 6 de julho de 2010
Canção de Embalar...
"Dorme em meus braços sonhando
O filho que nunca tive
Ele acorda perguntando
- Minha mãe onde é que vive?
Dorme em meus braços sonhando
Menino do meu bem-querer:
Não te sei dizer quando
Um dia eu vou responder".
in Segredos e Brinquedos
O Silêncio Verde
"Que o silêncio
Verde
Da floresta
Não saiba nunca
O silêncio
Negro
Das cinzas".
Matilde Rosa Araújo , "As Fadas Verdes", Civilização Ed.
domingo, 4 de julho de 2010
Original é o Poeta
Original é o poeta
que se origina a si mesmo
que numa sílaba é seta
noutro pasmo ou cataclismo
o que se atira ao poema
como se fosse um abismo
e faz um filho ás palavras
na cama do romantismo.
Original é o poeta
capaz de escrever um sismo.
Original é o poeta
de origem clara e comum
que sendo de toda a parte
não é de lugar algum.
O que gera a própria arte
na força de ser só um
por todos a quem a sorte faz
devorar um jejum.
Original é o poeta
que de todos for só um.
Original é o poeta
expulso do paraíso
por saber compreender
o que é o choro e o riso;
aquele que desce á rua
bebe copos quebra nozes
e ferra em quem tem juízo
versos brancos e ferozes.
Original é o poeta
que é gato de sete vozes.
Original é o poeta
que chegar ao despudor
de escrever todos os dias
como se fizesse amor.
Esse que despe a poesia
como se fosse uma mulher
e nela emprenha a alegria
de ser um homem qualquer.
sexta-feira, 2 de julho de 2010
Poeta castrado não!
Serei tudo o que disserem
por inveja ou negação:
cabeçudo dromedário
fogueira de exibição
teorema corolário
poema de mão em mão
lãzudo publicitário
malabarista cabrão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!
Os que entendem como eu
as linhas com que me escrevo
reconhecem o que é meu
em tudo quanto lhes devo:
ternura como já disse
sempre que faço um poema;
saudade que se partisse
me alagaria de pena;
e também uma alegria
uma coragem serena
em renegar a poesia
quando ela nos envenena.
Os que entendem como eu
a força que tem um verso
reconhecem o que é seu
quando lhes mostro o reverso:
Da fome já não se fala
- é tão vulgar que nos cansa -
mas que dizer de uma bala
num esqueleto de criança?
Do frio não reza a história
- a morte é branda e letal -
mas que dizer da memória
de uma bomba de napalm?
E o resto que pode ser
o poema dia a dia?
- Um bisturi a crescer
nas coxas de uma judia;
um filho que vai nascer
parido por asfixia?!
- Ah não me venham dizer
que é fonética a poesia!
Serei tudo o que disserem
por temor ou negação:
Demagogo mau profeta
falso médico ladrão
prostituta proxeneta
espoleta televisão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!
quinta-feira, 1 de julho de 2010
Cavalo à Solta
Minha laranja amarga e doce
meu poema
feito de gomos de saudade
minha pena
pesada e leve
secreta e pura
minha passagem para o breve, breve
instante da loucura
Minha ousadia
meu galope
minha rédea
meu potro doido
minha chama
minha réstia
de luz intensa
de voz aberta
minha denúncia do que pensa
do que sente a gente certa
Em ti respiro
em ti eu provo
por ti consigo
esta força que de novo
em ti persigo
em ti percorro
cavalo à solta
pela margem do teu corpo
Minha alegria
minha amargura
minha coragem de correr contra a ternura.
Por isso digo
canção castigo
amêndoa travo corpo alma amante amigo
por isso canto
por isso digo
alpendre casa cama arca do meu trigo
Meu desafio
minha aventura
minha coragem de correr contra a ternura
Anos Dourados...
Parece que dizes
Te amo, Maria
Na fotografia
Estamos felizes
Te ligo afobada
E deixo confissões
No gravador
Vai ser engracado
Se tens um novo amor
Me vejo a teu lado
Te amo?
Nao lembro
Parece dezembro
De um ano dourado
Parece bolero
Te quero, te quero
Dizer que nao quero
Teus beijos nunca mais
Não sei se eu ainda
Te esqueco de facto
No nosso retrato
Pareço tão linda
Te ligo ofegante
E digo confusões no gravador
É desconcertante
Rever o grande amor
Meus olhos molhados
Insanos, dezembros
Mas quando me lembro
São anos dourados
Ainda te quero
Bolero, nossos versos são banais
Mas como eu espero
Teus beijos nunca mais
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Canções que são poemas,
Tom Jobim e Chico Buarque
A Banda Passar...
Estava à toa na vida
O meu amor me chamou
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor
A minha gente sofrida
Despediu-se da dor
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor
O homem sério que contava dinheiro parou
O faroleiro que contava vantagem parou
A namorada que contava as estrelas parou
Pra ver, ouvir e dar passagem
A moça triste que vivia calada sorriu
A rosa triste que vivia fechada se abriu
E a meninada toda se assanhou
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor
O velho fraco se esqueceu do cansaço e pensou
Que ainda era moço pra sair no terraço e dançou
A moça feia debruçou na janela
Pensando que a banda tocava pra ela
A marcha alegre se espalhou na avenida e insistiu
A lua cheia que vivia escondida surgiu
Minha cidade toda se enfeitou
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor
Mas para meu desencanto
O que era doce acabou
Tudo tomou seu lugar
Depois que a banda passou
E cada qual no seu canto
Em cada canto uma dor
Depois da banda passar
Cantando coisas de amor
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