quarta-feira, 30 de junho de 2010
A Invenção do Amor - extracto
Procurem a mulher o homem que num bar
de hotel se encontraram numa tarde de chuva
Se tanto for preciso estabeleçam barricadas
senhas salvo-condutos horas de recolher
censura prévia à Imprensa tribunais de excepção
Para bem da cidade do país da cultura
é preciso encontrar o casal fugitivo
que inventou o amor com carácter de urgência
Os jornais da manhã publicam a notícia
de que os viram passar de mãos dadas sorrindo
numa rua serena debruada de acácias
Um velho sem família a testemunha diz
ter sentido de súbito uma estranha paz interior
uma voz desprendendo um cheiro a primavera
o doce bafo quente da adolescência longínqua
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A invenção do Amor por Daniel Filipe,
Daniel Filipe
Os Amantes Sem Dinheiro...
Tinham o rosto aberto a quem passava
Tinham lendas e mitos
E frio no coração.
Tinham jardins onde a lua passeava
De mãos dadas com a água
E um anjo por irmão.
Tinham como toda a gente
O milagre de cada dia
Escorrendo pelos telhados,
E olhos de oiro
Onde ardiam
Os sonhos mais tresmalhados.
Tinham fome e sede como os bichos,
E silêncio
À roda dos seus passos.
Mas a cada gesto que faziam
Um pássaro nascia dos seus dedos
E deslumbrado penetrava nos espaços.
segunda-feira, 28 de junho de 2010
Chamei por ti na Solidão...
Nomeei-te no meio dos meus sonhos
chamei por ti na minha solidão
troquei o céu azul pelos teus olhos
...e o meu sólido chão pelo teu amor.
domingo, 27 de junho de 2010
Acorda
Antes que Seja Tarde Amigo, tu que choras uma angústia qualquer
e falas de coisas mansas como o luar
e paradas
... como as águas de um lago adormecido,
acorda!
Deixa de vez
as margens do regato solitário
onde te miras
como se fosses a tua namorada.
Manuel da Fonseca, in "Poemas Dispersos"
..Os pássaros que dormiam em tua alma...
Para meu coração basta teu peito
para tua liberdade bastam minhas asas.
Desde minha boca chegará até o céu
o que estava dormindo sobre tua alma.
E em ti a ilusão de cada dia.
Chegas como o sereno às corolas.
Escavas o horizonte com tua ausência
Eternamente em fuga como a onda.
Eu disse que cantavas no vento
como os pinheiros e como os hastes.
Como eles és alta e taciturna.
e entristeces prontamente, como uma viagem.
Acolhedora como um velho caminho.
Povoam-te ecos e vozes nostálgicas.
Eu despertei e às vezes emigram e fogem
pássaros que dormiam em tua alma.
A viagem
A viagem não acaba nunca.
Só os viajantes acabam.
E mesmo estes podem prolongar-se em memória,
em lembrança, em narrativa.
Quando o visitante sentou na areia da praia e disse:
“Não há mais o que ver”, saiba que não era assim.
O fim de uma viagem é apenas o começo de outra.
É preciso ver o que não foi visto,
ver outra vez o que se viu já,
ver na primavera o que se vira no verão,
ver de dia o que se viu de noite,
com o sol onde primeiramente a chuva caía,
ver a seara verde, o fruto maduro,
a pedra que mudou de lugar,
a sombra que aqui não estava.
É preciso voltar aos passos que foram dados,
para repetir e para traçar caminhos novos ao lado deles.
É preciso recomeçar a viagem.
Sempre.
sábado, 26 de junho de 2010
Poema XX - Pablo Neruda
Posso escrever os versos mais tristes esta noite
Escrever por exemplo:
A noite está fria e cintilam, azuis, os astros à distância
Gira o vento da noite pelo céu e canta
Posso escrever os versos mais tristes esta noite
Eu a quis e por vezes ela também me quis
Em noites como esta, apertei-a em meus braços
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito
Ela me quis e as vezes eu também a queria
Como não ter amado seus grandes olhos fixos ?
Posso escrever os versos mais lindos esta noite
Pensar que não a tenho
Sentir que já a perdi
Ouvir a noite imensa mais profunda sem ela
E cai o verso na alma como orvalho no trigo
Que importa se não pode o meu amor guardá-la ?
A noite está estrelada e ela não está comigo
Isso é tudo
À distância alguém canta. A distância
Minha alma exaspera-se por tê-la perdido
Para tê-la mais perto meu olhar procura-a
Meu coração procura-a, ela não está comigo
A mesma noite faz brancas as mesmas árvores
Já não somos os mesmos que antes havíamos sido
Já não a quero, é certo
Porém quanto a queria !
A minha voz no vento ia tocar-lhe o ouvido
De outro. Será de outro
Como antes de meus beijos
Sua voz, seu corpo claro, seus olhos infinitos
Já não a quero, é certo,
Porém talvez a queira
Ah ! é tão curto o amor, tão demorado o esquecimento
Porque em noites como esta
Eu a apertei em meus braços,
Minha alma exaspera-se por tê-la perdido
Mesmo que seja a última esta dor que me causa
E estes versos os últimos que eu lhe tenha escrito.
Poema XV - Pablo Neruda
Gosto de ti calada porque estás como ausente
e me ouves de longe, e esta voz não te toca.
Parece que os teus olhos foram de ti voando
e parece que um beijo fechou a tua boca.
Como todas as coisas estão cheias da minha alma
tu emerges das coisas cheias da alma minha.
Borboleta de sonho, pareces-te com a minha alma
e pareces-te com a palavra melancolia.
Gosto de ti calada e estás como distante
E estás como queixando-te, borboleta em arrulho.
E ouves-me de longe, e esta voz não te alcança:
vais deixar que eu me cale com o silêncio teu.
Vais deixar que eu te fale também com o teu silêncio
claro como uma lâmpada, simples como um anel.
Tu és igual à noite, calada e constelada.
O teu silêncio é de estrela, tão longínquo e tão simples.
Gosto de ti calada porque estás como ausente.
Distante e dolorosa como se houvesses morrido.
Uma palavra então, um teu sorriso bastam.
E eu estou alegre, alegre porque não é verdade.
sexta-feira, 25 de junho de 2010
Fado Gago
Fado triste
fado negro das vielas
onde, agora é que săo elas
encomendaram-me este fado
"...- Mas só se for falado..."
Fado falado?
Pagam bem e dăo trocado
o fado é pago!
Mas eu que sou gago
só consigo balbuciar...
(melhor cantar:)
Măos caprichosas
que sebosas
mimoseiam a guitarra
mimoseando
o fado nefando
que se entranha
nas vielas
măos tagarelas
indecentes
măos tăo juntas, tăo ardentes
os dedos quentes
insolentes
só se amainam na guitarra
Espera aí
já percebi
que entoando
mesmo falando, mesmo falando
se falar como que em verso
năo gaguejo e até converso
(como as tais măos na guitarra...)
Eram assim essas măos
măos de ferro e măos de farra
desse Chico de má-vida
que (p'ra ser fiel à história)
andava na boa-vida
com a Glória
e está bom de ver
que o mulherio de Alfama
que é todo de alta linhagem
achava aquilo suspeito: vem de viagem
esse Chico marinheiro, todo feito
e vá de pendurar a âncora
na varanda da pequena
(Estăo a ver a cena...)
E está bom de imaginar
(mesmo sem ver)
que dentro desse lugar
o que tinha a mercearia mesmo em
frente
tudo era transparente
o Chico, quando dormia
era marinheiro em terra
era a paz depois da guerra, a sua Glória
por isso dormiam juntos
sem divisória
Măos muito sábias
tantas lábias
nas linhas das quatro palmas
săo duas almas
irmanadas
pelas sinas da paixăo
corpo na măo
măo que esvoaça
e amordaça
a sensatez
e cada vez
que o fado canta
esqueço tanta
da gaguez
Mas um dia - há sempre um dia
(Moeda ao ar!)
a cara e a coroa
viram a sorte mudar
vamos lá explicar
É que o Chico, c'a memória
de ter amor de mulher
vez à vez, em cada porto
năo cuidou de amar a Glória
foi-se à fruta no pomar
deixou a planta no horto
ou seja:
resolveu catrafilar
toda a mulher que passava
na rua por onde a Glória - e aqui vai
mas desta história -
espreitava
Ah! Que a Glória é mulher tesa...
quando viu o Chico
rua abaixo, rua acima
atracado a uma 'pirua'
uma garina
de resto bem conhecida
daquelas que faz p'la vida
e ela toda pimpante
e ele todo galante
Veio-lhe à boca o ciume
e a navalha foi lume
brilhando de raiva
todo este bairro, que saiba
que os dois que ali văo
văo ter de morrer
ai, vai correr muito sangue
eu esfolo, estrafego
eu pego nos dois
atiro as carcaças ao rio
e nem olho p'ra trás
tudo isto faz
alarido
e o Chico já ferido
só tenta dizer:
- Glória, que fazes?
Que morro sem quase
ter tempo de me arrepender
dá-me uma oportunidade
e nesta cidade
eu prometo ser teu
eu quero morrer no mar alto
e depois ir p'ró céu
Măos homicidas
amanticidas
assim eram se năo fosse
o olhar doce
por um instante
desse homem tăo inconstante
măos que da Glória
tęm o nome
e em seu nome văo amar
eu fico gago
com o afago
que essas măos souberam dar
E o afagar dessas măos
já desenha na pele
a promessa futura
- Jura, vá jura que és
todo meu 'té ao fim
todo, todo de mim
- Glória, vou desembarcar
dessa vida em que andava
à deriva no amor
- Chico, os meus braços de mar
dăo-te abrigo e calor
E assim acaba esta história
o Chico e a Glória
está bom de se ver
ambos com vidas atrás
văo atrás de uma vida
em que é tudo viver
quem fala assim
năo é gago
(năo quero voltar a um assunto
encerrado)
mas...
digam-me lá
se eu năo sou gago
e canto o fado
***
Fado Gago - Noites Passadas" 1995
A Secreta Viagem -David Mourão-Ferreira
No barco sem ninguém ,anónimo e vazio,
ficámos nós os dois, parados, de mão dada ...
Como podem só os dois governar um navio?
Melhor é desistir e não fazermos nada!
Sem um gesto sequer, de súbito esculpidos,
tornamo-nos reais,e de maneira,à proa...
Que figuras de lenda! Olhos vagos,perdidos...
Por entre nossas mâos , o verde mar se escoa...
Aparentes senhores de um barco abandonado,
nós olhamos,sem ver,a longínqua miragem...
Aonde iremos ter? - Com frutos e pecado,
se justifica, enflora, a secreta viagem!
Agora sei que és tu quem me fora indicada.
O resto passa ,passa...alheio aos meus sentidos.
Desfeitos num rochedo ou salvos na enseada,
a eternidade é nossa,
em madeira esculpidos!
quinta-feira, 24 de junho de 2010
Súplica
Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.
Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.
terça-feira, 22 de junho de 2010
Mais Alto...
Mais alto, sim! mais alto, mais além
Do sonho, onde morar a dor da vida,
Até sair de mim! Ser a Perdida,
A que se não encontra! Aquela a quem
O mundo nao conhece por Alguém!
Ser orgulho, ser águia na subida,
Até chegar a ser, entontecida,
Aquela que sonhou o meu desdém!
Mais alto, sim! Mais alto! A Intangível
Turris Ebúrnea erguida nos espaços,
A rutilante luz dum impossível!
Mais alto, sim! Mais alto! Onde couber
O mal da vida dentro dos meus braços,
Dos meus divinos braços de Mulher!
Se tu viesses ver-me...
Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...
Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...
Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri
E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...
Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...
Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri
E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...
segunda-feira, 21 de junho de 2010
A cada dia que passa...
A cada dia que passa,
sufoca-me esta solidão,
esta ausência contínua,
este silêncio gélido.
Já não encontro consolo
nas palavras dos poetas
e das músicas que oiço.
E perco voluntariamente
o telefone porque me doí
ouvir o som do (t)seu silêncio.
Intimidade - José Saramago
No coração da mina mais secreta,
No interior do fruto mais distante,
Na vibração da nota mais discreta,
No búzio mais convolto e ressoante,
Na camada mais densa da pintura,
Na veia que no corpo mais nos sonde,
Na palavra que diga mais brandura,
Na raiz que mais desce, mais esconde,
No silêncio mais fundo desta pausa,
Em que a vida se fez perenidade,
Procuro a tua mão, decifro a causa
De querer e não crer, final, intimidade.
domingo, 20 de junho de 2010
Para Onde Vai O Meu Amor...
Me diz, me diz, me responde por favor
Pra onde vai o meu amor
Quando o amor acaba.
- Chico Buarque -
quarta-feira, 2 de junho de 2010
OPERAÇÃO - Luísa Ribeiro
escrevo-te um fragmento da minha pele
dou-te um pedaço de medula
um rim o sangue
transpiro o teu medo
e choro as tuas dores:
quero para ti os pés que calcam
as múltiplas flores do mundo
NOITE; DIA; PRINCÍPIO… DE TUDO
Noite,
és tão velha
que ninguém, jamais,
te viu nascer.
Dia,
como a noite,
só há testemunhos
do teu acordar.
Carlos Jesus Gil
és tão velha
que ninguém, jamais,
te viu nascer.
Dia,
como a noite,
só há testemunhos
do teu acordar.
Carlos Jesus Gil
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