terça-feira, 30 de novembro de 2010
Não quero mais que o dado - Ricardo Reis
Do que quero renego, se o querê-lo
Me pesa na vontade. Nada que haja
Vale que lhe concedamos
Uma atenção que doa.
Meu balde exponho à chuva, por ter água.
Minha vontade, assim, ao mundo exponho,
Recebo o que me é dado,
E o que falta não quero.
O que me é dado quero
Depois de dado, grato.
Nem quero mais que o dado
Ou que o tido desejo.
A Mensagem: O Infante - Fernando Pessoa
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,
E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.
Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!
Fiz de mim o que não soube... - Àlvaro de Campos
Fernando António Nogueira Pessoa (Lisboa, 13 de Junho de 1888 — Lisboa, 30 de Novembro de 1935). |
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente
Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime."
segunda-feira, 29 de novembro de 2010
Desaparecimento de Luísa Porto - Carlos Drummond de Andrade
Pede-se a quem souber
do paradeiro de Luísa Porto
avise sua residência
À Rua Santos Óleos, 48.
Previna urgente
solitária mãe enferma
entrevada ha longos anos
erma de seus cuidados.
Pede-se a quem avistar
Luísa Porto, de 37 anos,
que apareça, que escreva,
que mande dizer
onde está.
Suplica-se ao repórter-amador,
ao caixeiro, ao mata-mosquitos, ao transeunte,
a qualquer do povo e da classe média,
até mesmo aos senhores ricos,
que tenham pena de mãe aflita
e lhe restituam a filha volatilizada
ou pelo menos dêem informações.
É alta, magra,
morena, rosto penugento, dentes alvos,
sinal de nascença junto ao olho esquerdo,
levemente estrábica.
Vestidinho simples. Óculos.
Sumida há três meses.
Mãe entrevada chamando.
Roga-se ao povo caritativo desta cidade
que tome em consideração um caso de família
digno de simpatia especial.
Luísa é de bom gênio, correta, meiga, trabalhadora, religiosa.
Foi fazer compras na feira da praça.
Não voltou.
Levava pouco dinheiro na bolsa.
(Procurem Luísa.)
De ordinário não se demorava.
(Procurem Luísa.)
Namorado isso não tinha.
(Procurem. Procurem.)
Faz tanta falta.
Se todavia não a encontrarem
nem por isso deixem de procurar
com obstinação e confiança que Deus sempre recompensa
e talvez encontrem.
Mãe, viúva pobre, não perde a esperança.
Luísa ia pouco a cidade
e aqui no bairro é onde melhor pode ser pesquisada.
Sua melhor amiga, depois da mãe enferma,
É Rita Santana, costureira, moça desimpedida.
a qual não da noticia nenhuma,
limitando-se a responder: Não sei.
O que não deixa de ser esquisito.
Somem tantas pessoas anualmente
numa cidade como o Rio de janeiro
que talvez Luísa Porto jamais seja encontrada.
Uma vez, em 1898,
ou 9,
sumiu o próprio chefe de polícia
que saíra a tarde para uma volta no Largo do Rocio
e até hoje.
A mãe de Luísa, então jovem, leu no Diário Mercantil,
ficou pasma.
O jornal embrulhado na memória.
Mal sabia ela que o casamento curto, a viuvez,
a pobreza, a paralisia, o queixume
seriam, na vida, seu lote
e que sua única filha, afável posto que estrábica,
se diluiria sem explicação.
Pela ultima vez e em nome de Deus
todo-poderoso e cheio de misericórdia
procurem a moça, procurem
essa que se chama Luísa Porto
e é sem namorado.
Esqueçam a luta política,
ponham de lado preocupações comerciais,
percam um pouco de tempo indagando,
inquirindo, remexendo.
Não se arrependerão. Não
há gratificação maior do que o sorriso
de mãe em festa
e a paz intima
conseqüente às boas e desinteressadas ações,
puro orvalho da alma.
Não me venham dizer que Luísa suicidou-se.
O santo lume da fé
ardeu sempre em sua alma
pertence a Deus e a Teresinha do Menino Jesus.
Ela não se matou.
Procurem-na.
Tampouco foi vítima de desastre que a polícia ignora
e os jornais não deram.
Está viva para consolo de uma entrevada
e triunfo geral do amor materno
filial e do próximo.
Nada de insinuações quanto à moça casta
e que não tinha, não tinha namorado.
Algo de extraordinário terá acontecido,
terremoto, chegada de rei.
As ruas mudaram de rumo,
para que demore tanto, é noite.
Mas há de voltar, espontânea
Ou trazida por mão benigna,
O olhar desviado e terno, canção.
A qualquer hora do dia ou da noite
quem a encontrar avise a Rua Santos Óleos.
Não tem telefone.
Tem uma empregada velha que apanha o recado
e tomará providencias.
Mas
se acharem que a sorte dos povos é mais importante
e que não devemos atentar nas dores individuais,
se fecharem ouvidos a este apelo de campainha,
não faz mal, insultem a mãe de Luísa,
virem a pagina:
Deus terá compaixão da abandonada e da ausente,
erguerá a enferma, e os membros perclusos
já se desatam em forma de busca.
Deus lhe dirá :
Vai,
procura tua filha, beija-a e fecha-a para sempre em teu coração.
Ou talvez não seja preciso esse favor divino.
A mãe de Luísa ( somos pecadores )
sabe-se indigna de tamanha graça.
E resta a espera, que sempre é um dom.
Sim, os extraviados um dia regressam
— ou nunca, ou pode ser, ou ontem.
E de pensar realizamos.
Quer apenas sua filhinha
que numa tarde remota de Cachoeiro
acabou de nascer e cheira a leite,
a cólica, a lágrima.
Já não interessa a descrição do corpo
nem esta, perdoem, fotografia,
disfarces de realidade mais intensa
e que anúncio algum proverá.
Cessem pesquisas, rádios, calai-vos·
Calma de flores abrindo
no canteiro azul
onde desabrocham seios e uma forma de virgem
intata nos tempos.
E de sentir compreendemos.
Já não adianta procurar
minha querida filha Luísa
que enquanto vagueio pelas cinzas do mundo
com inúteis pés fixados, enquanto sofro
e sofrendo me solto e me recomponho
e torno a viver e ando,
está inerte
gravada no centro da estrela invisível
Amor.
domingo, 28 de novembro de 2010
Todo O Sentimento - Chico Buarque
Preciso não dormir
Até se consumar
O tempo da gente.
Preciso conduzir
Um tempo de te amar,
Te amando devagar e urgentemente.
Pretendo descobrir
No último momento
Um tempo que refaz o que desfez,
Que recolhe todo sentimento
E bota no corpo uma outra vez.
Prometo te querer
Até o amor cair
Doente, doente...
Prefiro, então, partir
A tempo de poder
A gente se desvencilhar da gente.
Depois de te perder,
Te encontro, com certeza,
Talvez num tempo da delicadeza,
Onde não diremos nada;
Nada aconteceu.
Apenas seguirei
Como encantado ao lado teu.
Companheira - Pedro Barroso
Homenagem no aniversário do poeta
toquei-te a pele como se fosses harpa
escorreguei em teu ventre como o vento
e atravessei-te em mim como se fosse farpa
Deixei crescer uma vontade devagar
deixei crescer no peito um infinito
morri da morte lenta do desejo
e em cada beijo abafei um grito
Quando desfolho o livro velho da memória
sinto que o tempo passado à tua beira
é um espaço bom que há na minha história
e foi bonito ter dito companheira
Inventei mil paisagens no teu peito
rebentei de loucura e fantasia
quando me olhavas devagar com esse jeito
e eu descobri tanta coisa que não vias
Havia em ti uma forma grande de incerteza
que conseguias converter em alegria
havia em ti um mar salgado de beleza
que me faz sentir saudades em cada dia
Quando desfolho o livro velho da memória
sinto que o tempo passado à tua beira
é um espaço bom que há na minha história
e foi bonito ter dito companheira
in "Roupas de Pátria, Roupas de Mulher", 1987
Ela Faz Cinema - Chico Buarque
Quando ela chora
Não sei se é dos olhos para fora
Não sei do que ri
Eu não sei se ela agora
Está fora de si
Ou se é o estilo de uma grande dama
Quando me encara e desata os cabelos
Não sei se ela está mesmo aqui
Quando se joga na minha cama
Ela faz cinema
Ela faz cinema
Ela é a tal
Sei que ela pode ser mil
Mas não existe outra igual
Quando ela mente
Não sei se ela deveras sente
O que mente para mim
Serei eu meramente
Mais um personagem efêmero
Da sua trama
Quando vestida de preto
Dá-me um beijo seco
Prevejo meu fim
E a cada vez que o perdão
Me clama
Ela faz cinema
Ela faz cinema
Ela é demais
Talvez nem me queira bem
Porém faz um bem que ninguém
Me faz
Eu não sei
Se ela sabe o que fez
Quando fez o meu peito
Cantar outra vez
Quando ela jura
Não sei por que Deus ela jura
Que tem coração
e quando o meu coração
Se inflama
Ela faz cinema
Ela faz cinema
Ela é assim
Nunca será de ninguém
Porém eu não sei viver sem
E fim.
sábado, 27 de novembro de 2010
O Último Blues - Chico Buarque
Essa menina que você seduz
E um dia depois
Sem mais nem mais, esquece
Ela, no fundo, é uma atriz
Quando beija a sua boca
E nada acontece
Essa menina que você seduz
Agora é uma atriz
Saída de outra peça
Chamada "Doces Ardis..."
Quando beija a sua boca
Ela começa a fraquejar
Por onde anda a sua mão
Você só quer se aproveitar
E ela delira
Rodopiando no salão
Os dois parecem um casal
Mas é mentira
Essa menina pode ir pro Japão
Na vida real
Você é quem enlouquece
Apaga a última luz
E nos cantos do seu quarto
A figura dela fosforesce
Ao som do último blues
Na Rádio Cabeça
Se puder esqueça
A menina que você seduz
Não me beijes por engano - Sérgio Godinho
Coisas…!
O acaso às vezes faz cada coisa…
coisas que se diz do destino
ousas
repousar em mim, felino, o olhar
eu, que hoje nem vinha a este bar
fazes com os dedos um olá furtivo
e logo num caudal revivo
palavras antigas de um ano
Não me beijes por engano
não me causes maior dano
do que aquele que causaste
no dia em que aproximaste
os teus lábios do meu peito
e num moomento perfeito
de paz e de assombração
tocaste o meu coração
Tocas
com os dedos mensageiros no copo
chego-te em controlo remoto
voto
em ficar por mais um século assim
bebericando do teu gin
tens já o olhar afogueado e pardo
ardido no vento em que ardo
pousado na brisa em que plano
Não me beijes por engano
não me causes maior dano
do que aquele que causaste
no dia em que aproximaste
os teus lábios do meu peito
e num momento perfeito
de paz e de assombração
tocaste o meu coração
Faço que dormito pra te lhar do meu canto
conheço-te os cantos à casa
faz a
tua jura de quem casa comigo
e êxtases novos te predigo
mas não estás só nem mal acompanhada
e talvez que até mais bem amada
aplausos e corra-se o pano
Não me beijes por engano
não me causes maior dano
do que aquele que causaste
no dia em que aproximaste
os teus lábios do meu peito
e num moomento perfeito
de paz e de assombração
tocaste o meu coração
quinta-feira, 25 de novembro de 2010
O Meu Amor Existe - Jorge Palma
O meu amor tem lábios de silêncio
E mão de bailarina
E voa como o vento
E abraça-me onde a solidão termina
O meu amor tem trinta mil cavalos
A galopar no peito
E um sorriso só dela
Que nasce quando a seu lado eu me deito
O meu amor ensinou-me a chegar
Sedento de ternura
Separou as minhas feridas
E pôs-me a salvo para além da loucura
O meu amor ensinou-me a partir
Nalguma noite triste
Mas antes, ensinou-me
A não esquecer que o meu amor existe.
quarta-feira, 24 de novembro de 2010
Calçada de Carriche - António Gedeão
No aniversário do Nascimento do Poeta ((Rómulo Carvalho)
Luísa sobe, sobe a calçada,
sobe e não pode que vai cansada.
Sobe, Luísa, Luísa, sobe,
sobe que sobe sobe a calçada.
Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.
Anda, Luísa, Luísa, sobe,
sobe que sobe, sobe a calçada.
Luísa é nova,
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve-lhe o sangue
de afogueada;
saltam-lhe os peitos
na caminhada.
Anda, Luísa. Luísa, sobe,
sobe que sobe, sobe a calçada.
Passam magalas,
rapaziada,
palpam-lhe as coxas
não dá por nada.
Anda, Luísa, Luísa, sobe,
sobe que sobe, sobe a calçada.
Chegou a casa
não disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu a sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;
chegou o homem,
viu-a deitada;
serviu-se dela,
não deu por nada.
Anda, Luísa. Luísa, sobe,
sobe que sobe, sobe a calçada.
Na manhã débil,
sem alvorada,
salta da cama,
desembestada;
puxa da filha,
dá-lhe a mamada;
veste-se à pressa,
desengonçada;
anda, ciranda,
desaustinada;
range o soalho
a cada passada,
salta para a rua,
corre açodada,
galga o passeio,
desce o passeio,
desce a calçada,
chega à oficina
à hora marcada,
puxa que puxa, larga que larga,[x 4]
toca a sineta
na hora aprazada,
corre à cantina,
volta à toada,
puxa que puxa, larga que larga,[x 4]
Regressa a casa
é já noite fechada.
Luísa arqueja
pela calçada.
Anda, Luísa, Luísa, sobe,
sobe que sobe, sobe a calçada, [x 3]
Anda, Luísa, Luísa, sobe,
sobe que sobe, sobe a calçada
Luísa sobe, sobe a calçada,
sobe e não pode que vai cansada.
Sobe, Luísa, Luísa, sobe,
sobe que sobe sobe a calçada.
Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.
Anda, Luísa, Luísa, sobe,
sobe que sobe, sobe a calçada.
Luísa é nova,
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve-lhe o sangue
de afogueada;
saltam-lhe os peitos
na caminhada.
Anda, Luísa. Luísa, sobe,
sobe que sobe, sobe a calçada.
Passam magalas,
rapaziada,
palpam-lhe as coxas
não dá por nada.
Anda, Luísa, Luísa, sobe,
sobe que sobe, sobe a calçada.
Chegou a casa
não disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu a sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;
chegou o homem,
viu-a deitada;
serviu-se dela,
não deu por nada.
Anda, Luísa. Luísa, sobe,
sobe que sobe, sobe a calçada.
Na manhã débil,
sem alvorada,
salta da cama,
desembestada;
puxa da filha,
dá-lhe a mamada;
veste-se à pressa,
desengonçada;
anda, ciranda,
desaustinada;
range o soalho
a cada passada,
salta para a rua,
corre açodada,
galga o passeio,
desce o passeio,
desce a calçada,
chega à oficina
à hora marcada,
puxa que puxa, larga que larga,[x 4]
toca a sineta
na hora aprazada,
corre à cantina,
volta à toada,
puxa que puxa, larga que larga,[x 4]
Regressa a casa
é já noite fechada.
Luísa arqueja
pela calçada.
Anda, Luísa, Luísa, sobe,
sobe que sobe, sobe a calçada, [x 3]
Anda, Luísa, Luísa, sobe,
sobe que sobe, sobe a calçada
Quem é ela? Onde Está? - Carlos Jesus Gil
Por ela tenho andarilhado;
por ela tenho esperado;
por ela tenho adiado…
Esperei,
adiei.
Espero,
adiarei
- já o sei,
mas não quero!
Quem é ela, afinal?
Terá sobrado um bocadinho de matéria,
neste universo que me tem sido tão padrasto,
que se tenha consubstanciado nela?...
Se sim, jogamos o jogo das escondidas…
só que desconhecemos as regras!
(a reprodução deste texto deve indicar o nome do autor - Carlos Jesus Gil - e a fonte onde foi publicado)
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- autores não publicados,
Carlos Jesus Gil
terça-feira, 23 de novembro de 2010
Era uma vez um pintor que tinha um aquário - Herberto Hélder
Nos 80 anos do Poeta:
Era uma vez um pintor que tinha um aquário e, dentro do aquário, um peixe encarnado. Vivia o peixe tranqüilamente acompanhado pela sua cor encarnada, quando a certa altura começou a tornar-se negro a partir – digamos – de dentro. Era um nó negro por detrás da cor vermelha e que, insidioso, se desenvolvia para fora, alastrando-se e tomando conta de todo o peixe. Por fora do aquário, o pintor assistia surpreendido à chegada do novo peixe.
O problema do artista era este: obrigado a interromper o quadro que pintava e onde estava a aparecer o vermelho do seu peixe, não sabia agora o que fazer da cor preta que o peixe lhe ensinava. Assim, os elementos do problema constituíam-se na própria observação dos fatos e punham-se por uma ordem, a saber:
1) peixe, cor vermelha, pintor, em que a cor vermelha era o nexo estabelecido entre o peixe e o quadro, através do pintor;
2)peixe, cor preta, pintor, em que a cor preta formava a insídia do real e abria um abismo na primitiva fidelidade do pintor.
Ao meditar acerca das razões por que o peixe mudara de cor precisamente na hora em que o pintor assentava na sua fidelidade, ele pensou que, lá dentro do aquário, o peixe, realizando o seu número de prestidigitação, pretendia fazer notar que existia apenas uma lei que abrange tanto o mundo das coisas como o da imaginação. Essa lei seria a metamorfose. Compreendida a nova espécie de fidelidade, o artista pintou na sua tela um peixe amarelo.
Era uma vez um pintor que tinha um aquário e, dentro do aquário, um peixe encarnado. Vivia o peixe tranqüilamente acompanhado pela sua cor encarnada, quando a certa altura começou a tornar-se negro a partir – digamos – de dentro. Era um nó negro por detrás da cor vermelha e que, insidioso, se desenvolvia para fora, alastrando-se e tomando conta de todo o peixe. Por fora do aquário, o pintor assistia surpreendido à chegada do novo peixe.
O problema do artista era este: obrigado a interromper o quadro que pintava e onde estava a aparecer o vermelho do seu peixe, não sabia agora o que fazer da cor preta que o peixe lhe ensinava. Assim, os elementos do problema constituíam-se na própria observação dos fatos e punham-se por uma ordem, a saber:
1) peixe, cor vermelha, pintor, em que a cor vermelha era o nexo estabelecido entre o peixe e o quadro, através do pintor;
2)peixe, cor preta, pintor, em que a cor preta formava a insídia do real e abria um abismo na primitiva fidelidade do pintor.
Ao meditar acerca das razões por que o peixe mudara de cor precisamente na hora em que o pintor assentava na sua fidelidade, ele pensou que, lá dentro do aquário, o peixe, realizando o seu número de prestidigitação, pretendia fazer notar que existia apenas uma lei que abrange tanto o mundo das coisas como o da imaginação. Essa lei seria a metamorfose. Compreendida a nova espécie de fidelidade, o artista pintou na sua tela um peixe amarelo.
Boneca de Pano - Menina do Alto da Serra
Com uma alegria contagiante
Mostras-me a tua boneca de trapos,
quase do teu tamanho,
que embalas ternamente nos teus braços,
como a mais carinhosa das mães.
Ofereces-me o teu riso cristalino e inocente
de criança.
Pegas-me pela mão e arrastas-me pelas divisões
deste edificio cinzento, uma a uma...
Ensinas-me o nome dos teus amigos, das senhoras que te ensinam
e das que cuidam de ti dia e noite.
Levas-me ao teu quarto que partilhas com mais cinco amigos
e apontas para a tua cama de ferro.
Contas-me contente e triste ao mesmo tempo que o urso de pelúcia que tens em cima da
cama te foi dado pela a tua mamã "antiga" quando te deixou aqui.
E então, subitamente fazes silêncio, E a frio, olhando-me com os teus olhos negros
inquietantes, gelas-me a alma quando me perguntas tão simplesmente: "a minha mamã
nova, quando vem ? Sempre vou ter pelo Natal uma nova mamã e papá?"......
............E eu tenho de te dizer que não, apesar de ser quase Natal o Sr. Juiz ainda não
conseguiu aranjar-te os papás novos que tanto sonhas e que os adultos tanto te
prometem.
....................................
Eu quero dizer-te quem sim, quando sei que a resposta é não. Por ora é não.
E regresso à minha secretária inquieta, cheia de relatórios das senhoras graves da
segurança social,
esperando que à próxima visita que me cumpra fazer a essa casa grande onde vives
te possa dizer que o pai natal ouviu o teu e o meu pedido e abriu as portas da burocracia
e que tens uns novos pais para aprender a amar, a voltar a confiar na vida e que vais ser
muito, muito (tão) feliz.
segunda-feira, 22 de novembro de 2010
Mónologo de Orfeu da Conceição - Vinicius de Moraes
Mulher mais adorada!
Agora que não estás,
deixa que rompa o meu peito em soluços
Te enrustiste em minha vida,
e cada hora que passa
É mais por que te amar
a hora derrama
o seu óleo de amor em mim, amada.
E sabes de uma coisa?
Cada vez que o sofrimento vem,
essa vontade de estar perto,
se longe
ou estar mais perto se perto
Que é que eu sei?
Este sentir-se fraco,
o peito extravasado
o mel correndo,
essa incapacidade de me sentir mais eu, Orfeu;
Tudo isso que é bem capaz
de confundir o espírito de um homem.
Nada disso tem importância
Quando tu chegas com essa charla antiga,
esse contentamento, esse corpo
E me dizes essas coisas
que me dão essa força,
esse orgulho de rei.
Ah, minha Eurídice
Meu verso, meu silêncio, minha música.
Nunca fujas de mim.
Sem ti, sou nada.
Sou coisa sem razão, jogada, sou pedra rolada.
Orfeu menos Eurídice: coisa incompreensível!
A existência sem ti é como olhar para um relógio
Só com o ponteiro dos minutos.
Tu és a hora, és o que dá sentido
E direção ao tempo,
minha amiga mais querida!
Qual mãe, qual pai, qual nada!
A beleza da vida és tu, amada
Milhões amada! Ah! Criatura!
Quem poderia pensar que Orfeu,
Orfeu cujo violão é a vida da cidade
E cuja fala, como o vento à flor
Despetala as mulheres -
que ele, Orfeu,
Ficasse assim rendido aos teus encantos?
Mulata, pele escura, dente branco
Vai teu caminho
que eu vou te seguindo
no pensamento
e aqui me deixo rente
quando voltares,
pela lua cheia
Para os braços sem fim do teu amigo
Vai tua vida, pássaro contente
Vai tua vida que estarei contigo.
In "Black Orpheus"
Etiquetas:
-Orfeu da Conceição/Black Orpheus,
Vinicius de Moraes
domingo, 21 de novembro de 2010
Valsa de Eurídice - Vinicius de Moraes
Tantas vezes já partiste
Que chego a desesperar
Chorei tanto, eu sou tão triste
Que já nem sei mais chorar
Oh, meu amado, não parta
Não parta de novo
Há na partida uma dor que não tem fim
Não há nada que conforte
A falta dos olhos teus
Pensa que a saudade
mais do que a propria morte
Pode matar-me
Adeus.
In "Black Orfeu"
Etiquetas:
-Orfeu da Conceição/Black Orpheus,
Vinicius de Moraes
sábado, 20 de novembro de 2010
O Menino e a Flor - Maria Almira Medina
Era uma vez um menino
Era uma vez o papão
Era uma vez milhões de homens
cobertos de maldição...
Medalhas de oiro
foguetes
bandeirinhas de mil cores
flores de papel aos centos
diplomas e honrarias
tronos penas de pavão
homenagens monumentos
discursos
desfalques
roubos
assassinatos
infâmias
ah! negreiros do meu tempo
traficantes e falsário
permitam o céu às aves
deixem crescer o menino
com uma flor no coração!
Era uma vez um menino
Era uma vez o papão
Era uma vez milhões de homens
cobertos de maldição...
A mentira anda na rua
passeia na praça pública
puxa os cabelos às moças
faz caretas
piruetas
e trejeitos
grita
cospe nas estrelas
rasga o menino
e arranca dele uma flor
que pisa a pés que desfaz!
Senhores polícias
não deixem
violar um coração
algemem a violadora
apanhem a flor do chão!
Era uma vez um menino
Era uma vez o papão
Era uma vez milhões de homens
cobertos de maldição...
sexta-feira, 19 de novembro de 2010
SILÊNCIO, NOSTALGIA - Fernanda de Castro
Silêncio, nostalgia...
...Hora morta, desfolhada,
sem dor, sem alegria,
pelo tempo abandonada.
Luz de Outono, fria, fria...
Hora inútil e sombria
de abandono.
Não sei se é tédio, sono,
silêncio ou nostalgia.
Interminável dia
de indizíveis cansaços,
de funda melancolia.
Sem rumo para os meus passos,
para que servem meus braços,
nesta hora fria, fria?
Durante o dia, durante a vida - Miguel Esteves Cardoso
Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem.
___Miguel Esteves Cardoso___
quinta-feira, 18 de novembro de 2010
Basta-me saber que há sempre alguém a lutar contra a corrente - Jorge Palma
A chuva varre as janelas do teu apartamento.
A minha bagagem repousa ao abrigo do vento
E eu nem preciso de olhar para ti
Para saber o que esperas de mim.
Tu queres-me fazer cumprir
Coisas que eu não prometi.
Tu também sentes na pele o sopro da mudança,
Mas ficas sentada na sala à espera da esperança.
Aprendemos juntos a enfrentar o frio,
Embarcámos juntos no mesmo avião
E agora tu queres parar...
Dormir na margem do rio.
Mas, basta-me saber que há sempre alguém a lutar contra a corrente
Para me apetecer saltar,
Ir nadar ao lado dele,
Derretendo com o olhar
Todos os muros de gelo
E não consigo descansar
Enquanto não alcanço uma nova nascente.
Dizes que não suportas ver-te sózinha ao relento,
Mas tudo o que fazes é soltar o teu longo lamento
E eu vou para o meio da multidão,
Não levo a virtude nem a salvação,
Mas levo o meu calor
E uma guitarra na mão
E basta-me saber que há sempre alguém a lutar contra a corrente
Para me apetecer saltar,
Ir nadar ao lado dele,
Derretendo com o olhar
Todos os muros de gelo
E não consigo descansar
Enquanto não alcanço uma nova nascente.
E quando te voltar a apetecer seguir em frente,
Se me quiseres acompanhar,
Canta uma canção de amor,
Pinta os olhos cor de mar...
Põe no teu peito uma flor,
Traz um amigo qualquer
E vamos juntos abraçar o sol nascente
quarta-feira, 17 de novembro de 2010
Requiem pelas Cartas de Amor à antiga... - Menina do Alto da Serra
Cartas de amor...ainda guardo em caixas forradas de tecido e seladas com bonitas fitas de cetim, o tesouro precioso que são as cartas de amor que ao longo da vida recebi …
As velhas cartas de amor…uma espécie em vias de extinção: agora já não se cultiva a magia de uma boa carta de amor manuscrita, escrita na mais desenhada caligrafia e no papel mais requintado e(ou) perfumado... Com colagens ou elaborados desenhos a aguarela ou a carvão (sim … tenho autênticas obras de arte plástica que não só literárias entre as “minhas” cartas de amor) e as citações de versos de doces palavras que encerram saudades, beleza, ternura e paixão. Ou flores secas, madeixas de cabelos guardadas em minúsculos "embrulhos" de papel. Ou tudo aquilo que a imaginação dos apaixonados ditasse e coubesse no tamanho e pesagem de um envelope de papel...
Com a mudança de século (sim, eu ainda nasci e vivi no Século passado) e com as novas tecnologias, as palavras de amor reinventam novas formas de espalhar aos sete ventos os sentimentos indizíveis que nos povoam o coração e a alma e apagar a “doce dor” de uma longa (ou breve) ausência do ser amado. Claro…falo dos efémeros “SMS de amor” que urge ir apagando à medida que a memória do telemóvel se vai esgotando, os “emails de amor”...(e mais efémeras ainda: as mensagens de chat) e que nos arrancam sorrisos "tolos" no meio da multidão quando lidos, assim à "socapa", com a perigosa e deliciosa sensação de infringir regras de boa conduta e postura em certos meios ou situações sociais...
Não me queixo…pelo contrário…confesso que a mais bela carta de amor que recebi algum dia me chegou num email perdido algures na confusão da minha caixa de correio pessoal, num acordar de uma manhã longíqua de um Verão que já começa a parecer (tão) distante…
Ah…mas que tenho saudades…tenho. Da emoção contida na corrida escadaria abaixo para a caixa do correio, de pegar no envelope tão esperado e abrir apressada a “muralha” de papel que assim me separava das esperadas palavras de afecto….e de apertar a “carta do meu amor”, como um tesouro precioso bem juntinho ao meu peito.
Como diria o Poeta, as boas cartas de Amor Ridículas...que não seriam de amor se não fossem, assim, tão magnanimamente Ridículas...
"Todas as Cartas de Amor são ridículas" |
As velhas cartas de amor…uma espécie em vias de extinção: agora já não se cultiva a magia de uma boa carta de amor manuscrita, escrita na mais desenhada caligrafia e no papel mais requintado e(ou) perfumado... Com colagens ou elaborados desenhos a aguarela ou a carvão (sim … tenho autênticas obras de arte plástica que não só literárias entre as “minhas” cartas de amor) e as citações de versos de doces palavras que encerram saudades, beleza, ternura e paixão. Ou flores secas, madeixas de cabelos guardadas em minúsculos "embrulhos" de papel. Ou tudo aquilo que a imaginação dos apaixonados ditasse e coubesse no tamanho e pesagem de um envelope de papel...
Com a mudança de século (sim, eu ainda nasci e vivi no Século passado) e com as novas tecnologias, as palavras de amor reinventam novas formas de espalhar aos sete ventos os sentimentos indizíveis que nos povoam o coração e a alma e apagar a “doce dor” de uma longa (ou breve) ausência do ser amado. Claro…falo dos efémeros “SMS de amor” que urge ir apagando à medida que a memória do telemóvel se vai esgotando, os “emails de amor”...(e mais efémeras ainda: as mensagens de chat) e que nos arrancam sorrisos "tolos" no meio da multidão quando lidos, assim à "socapa", com a perigosa e deliciosa sensação de infringir regras de boa conduta e postura em certos meios ou situações sociais...
Não me queixo…pelo contrário…confesso que a mais bela carta de amor que recebi algum dia me chegou num email perdido algures na confusão da minha caixa de correio pessoal, num acordar de uma manhã longíqua de um Verão que já começa a parecer (tão) distante…
Ah…mas que tenho saudades…tenho. Da emoção contida na corrida escadaria abaixo para a caixa do correio, de pegar no envelope tão esperado e abrir apressada a “muralha” de papel que assim me separava das esperadas palavras de afecto….e de apertar a “carta do meu amor”, como um tesouro precioso bem juntinho ao meu peito.
Como diria o Poeta, as boas cartas de Amor Ridículas...que não seriam de amor se não fossem, assim, tão magnanimamente Ridículas...
terça-feira, 16 de novembro de 2010
Não te amo - Almeida Garrett
Não te amo, quero-te: o amor vem d'alma.
E eu n'alma – tenho a calma,
A calma – do jazigo.
Ai! não te amo, não.
Não te amo, quero-te: o amor é vida.
E a vida – nem sentida
A trago eu já comigo.
Ai, não te amo, não!
Ai! não te amo, não; e só te quero
De um querer bruto e fero
Que o sangue me devora,
Não chega ao coração.
Não te amo. És bela; e eu não te amo, ó bela.
Quem ama a aziaga estrela
Que lhe luz na má hora
Da sua perdição?
E quero-te, e não te amo, que é forçado,
De mau, feitiço azado
Este indigno furor.
Mas oh! não te amo, não.
E infame sou, porque te quero; e tanto
Que de mim tenho espanto,
De ti medo e terror...
Mas amar!... não te amo, não.
sexta-feira, 12 de novembro de 2010
Tocará esse piano - Juan Ramón Jiménez
Eu não voltarei. E a noite
morna, serena, calada,
adormecerá tudo, sob
sua lua solitária.
...Meu corpo estará ausente,
e pela janela alta
entrará a brisa fresca
a perguntar por minha alma.
Ignoro se alguém me aguarda
de ausência tão prolongada,
ou beija a minha lembrança
entre carícias e lágrimas.
Mas haverá estrelas, flores
e suspiros e esperanças,
e amor nas alamedas,
sob a sombra das ramagens.
E tocará esse piano
como nesta noite plácida,
não havendo quem o escute,
a pensar, nesta varanda.
quinta-feira, 11 de novembro de 2010
Tenho uma grande constipação - Fernando Pessoa
Tenho uma grande constipação,
E toda a gente sabe como as grandes constipações
Alteram todo o sistema do universo,
Zangam-nos contra a vida,
E fazem espirrar até à metafísica.
Tenho o dia perdido cheio de me assoar.
Dói-me a cabeça indistintamente.
Triste condição para um poeta menor!
Hoje sou verdadeiramente um poeta menor!
O que fui outrora foi um desejo; partiu-se.
Adeus para sempre, rainha das fadas!
As tuas asas eram de sol, e eu cá vou andando,
Não estarei bem se não me deitar na cama
Nunca estive bem senão deitando-me no universo.
Excusez un peu… Que grande constipação física!
Preciso de verdade e de aspirina.
quarta-feira, 10 de novembro de 2010
Golpe de Estado de Um(a) Trovador(a) Mediaval - Menina do Alto da Serra
Amigos e Companheiros:
Deixarei de cantar o amor
Ou o desamor.
Deixarei de verter lágrimas
De semear utopias
Nos jardins perdidos do meu coração.
Viva a Revolução!
Deixarei de ser desalento
Ou quimeras mil
Cinderela sonhadora
Ou carochinha chorosa
Dos mundos das histórias de encantar.
Cantarei doravante o Céu e a terra,
o mar e o vento,
A chuva e o arco-íris,
O pôr e nascer do sol
E as magias de noites de luar.
Cantarei a liberdade das gaivotas
Que esvoaçam pelo ar,
O sussurro das folhas das árvores
Quando a brisa da tarde as vem namorar,
A força das correntes dos rios,
O marulhar das ondas do mar.
Cantarei o trinado dos pássaros,
Os silêncios das noites
Os mil sons que se espraiam pelo dia,
A alegria vadia do canto das cigarras
E o balir dos rebanhos em verdes prados,
a grandeza dos sonhos.
Cantarei a magnitude de uma sinfonia
A ternura de uma canção de embalar…
............
.............
Mas jamais de mim nascerão mais palavras,
Ditas, escritas ou cantadas,
Que lembrem o choro dolente das guitarras
As cadências lentas de
Baladas de dor,
Ou sequer o batuque alegre e vibrante
Das Bossas que entoem
Alegrias de Amor.
Longa Vida à Revolução!
terça-feira, 9 de novembro de 2010
Chuva no Deserto - Menina do Alto da Serra
A manhã sombria trouxe o caudal imenso, infindo de lágrimas
com que o universo por mim chora o ruir de sonhos,
a queda de anjos.
As minhas lágrimas, essas, secaram...não as encontro.
Estranhamente, EU, que sou feita da essência do mar salgado
e da doçura branda dos rios e de plácidas lagoas,
descubro em mim este deserto,
vasto, árido e sem limite de horizonte
no caminho que os meus pés encetam...
.........
Ah, vou deixar-me levar, assim, entre esta tempestade de areia,
sem rumo certo, à deriva do vento.
Na certeza de que, algures, um oásis
esperará por mim e um arco-íris - como o que espreita neste momento
as nuvens que asfixiam o dia - será então,
reflexo da nascente que correr pelos meus olhos.
com que o universo por mim chora o ruir de sonhos,
a queda de anjos.
As minhas lágrimas, essas, secaram...não as encontro.
Estranhamente, EU, que sou feita da essência do mar salgado
e da doçura branda dos rios e de plácidas lagoas,
descubro em mim este deserto,
vasto, árido e sem limite de horizonte
no caminho que os meus pés encetam...
.........
Ah, vou deixar-me levar, assim, entre esta tempestade de areia,
sem rumo certo, à deriva do vento.
Na certeza de que, algures, um oásis
esperará por mim e um arco-íris - como o que espreita neste momento
as nuvens que asfixiam o dia - será então,
reflexo da nascente que correr pelos meus olhos.
segunda-feira, 8 de novembro de 2010
A Cabana Junto à Praia - Menina do Alto da Serra
Palheiro secular no areal com vista para o mar- Praia de Mira Hoje já inexistente. |
Sabes, venho contar-te
que a cabana junto à Praia,
Sobre as dunas e canaviais
em frente à qual as gaivotas vinham
ensaiar mil danças no ar,
Que inspirou míticas canções,
Que numa tarde cinzenta
de ínicio de outono,
abrigou duas almas de vagabundo,
naquela tarde em que os raios de Sol
crepuscular romperam por entre
as nuvens para incendiar o horizonte
as suas almas e corações,
JÁ NÃO EXISTE.
Homens que não amam o belo, a história
e a memória desfizeram uma a uma as tábuas que
secularmente a erguiam.
Agora, o areal nú e vazio chora os fantamas
dos Palheiros que um dia abrigaram as vidas
dos homens, mulheres e crianças
que viviam do e para mar.
Eu...eu choro a perda de todos pôr-de-sol em que vi o
os Palheiros em fogo reflectidos no mar...
Mas já não choro a tarde, aquela precisa tarde,
em que ao pousar na tua a minha mão e no teu o meu olhar
me perdi de mim.
quinta-feira, 4 de novembro de 2010
Segredos inconfessáveis - Fiodor Dostoievski
Entre as recordações que cada um de nós guarda, algumas há que só contamos aos amigos. Há ainda outras que nem sequer aos amigos confessamos, que só a nós próprios dizemos e, mesmo assim, no máximo segredo. Finalmente, há coisas que o homem nem sequer se permite confessar a si mesmo. Ao longo da existência, toda a pessoa honesta acumulou não poucas destas recordações. Diria mesmo que a quantidade é tanto maior quanto mais honesto o homem. Eu, em todo o caso, não foi há muito que me decidi a recordar algumas das minhas antigas aventuras; até agora evitava fazê-lo, aliás com um certo desassossego. Porém agora, quando as evoco e desejo mesmo anotá-las, agora vou tirar a prova: será possível sermos francos e sinceros, pelo menos com nós próprios, e dizermo-nos toda a verdade?
Observo, a propósito, que Heine afirma não poderem existir autobiografias exactas e que o homem mente sempre quando fala de si próprio. Em sua opinião, Rousseau enganou-nos à certa nas suas Confessions, e até deliberadamente, por vaidade. Tenho a certeza de que Heine tem razão: compreendo muitíssimo bem que nos possamos acusar de crimes abomináveis apenas por vaidade e também compreendo o que pode ser esse sentimento. Mas Heine tinha em vista as confissões públicas; ora, eu escrevo só para mim e declaro duma vez por todas que, se pareço dirigir-me ao leitor, é apenas um processo de que me sirvo para maior facilidade.
in 'Cadernos do Subterrâneo'
Manta de Retalhos - Menina do Alto da Serra
"A minha vida é uma manta de retalhos,
recordações vindas ao acaso,
dos confins da memória,
dispersas e juntas por um único elo condutor:
Eu tê-las Vivido.
A minha vida é um desfiar de recordações
Pequenos quadrados de pano
em que se escondem pedaços de vida,
sem padrão pré-desenhado.
Não poderia nunca ser um filme por
lhe faltar um guião,
Nem um romance com príncipio meio e fim...
Talvez um pequeno livro de crónicas
com páginas impressas ainda em branco,
tantos os fins que estão por escrever...
A minha manta de retalhos,
tem as cores do arco-íris
prevalece o verde esperança e o azul da cor do mar
e é debruada a doirado
na certeza dos reflexos de alegria
que o sol guarda para me dar".
quarta-feira, 3 de novembro de 2010
Os traços da tua escrita - José Dimas
...Escreves com delicadeza,
Como se a veludo pintasses,
E abarrotam de sentimentos
Os traços da tua escrita,
Reflexo colorido de um interior
Luminoso, e harmonioso.
Revolvo nas entrelinhas
Dos teus textos, e fico
Fascinado,
Envergo a tua escrita
E deleito-me, enquanto viajo
Ao sabor das palavras,
Das tuas palavras…
Nesse mundo só teu,
Que eu invado pela janela
De um verso.
___________
Nov__2010
segunda-feira, 1 de novembro de 2010
CANTAR MEU PAI - Carlos Jesus Gil
O meu Pai morreu!...
Não, não foi “apenas” mais um pai que morreu.
A coisa não funciona assim…,
Este era o meu!
Por isso é que para mim
são os dias breves
e as noites sem fim;
a alegria omissa
dá lugar à tristeza, que preguiça;
o canto mais belo já não é assim;
a tela que pinto só tem uma cor,
a da dor!
Não, não foi “apenas” mais um pai que morreu.
Este era o meu,
O do meu irmão e da minha irmã;
O Homem de minha mãe;
O avô dos meus sobrinhos!
Tento cantá-Lo…
Tão fácil fosse
como me é lembrá-Lo!...
Tudo o que me sai, porém,
soa pequeno, muito aquém
do Ser Enorme que foi,
do Poema que escreveu
com a vida que viveu…
E isso também me dói!
05/10/2006
Só um Mundo de Amor pode Durar a Vida Inteira - Miguel Esteves Cardoso
" O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem. Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado,viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a Vida inteira, o amor não.
Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também".
in 'Jornal Expresso'
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