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sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Príncipe - Ana Hatherly

Príncipe:
Era de noite quando eu bati à tua porta
e na escuridão da tua casa tu vieste abrir
e não me conheceste.
Era de noite
são mil e umas
as noites em que bato à tua porta
e tu vens abrir
e não me reconheces
porque eu jamais bato à tua porta.
Contudo
quando eu batia à tua porta
e tu vieste abrir
os teus olhos de repente
viram-me
pela primeira vez
como sempre de cada vez é a primeira
a derradeira
instância do momento de eu surgir
e tu veres-me.
Era de noite quando eu bati à tua porta
e tu vieste abrir
e viste-me
como um náufrago sussurrando qualquer coisa
que ninguém compreendeu.
Mas era de noite
e por isso
tu soubeste que era eu
e vieste abrir-te
na escuridão da tua casa.
Ah era de noite
e de súbito tudo era apenas
lábios pálpebras intumescências
cobrindo o corpo de flutuantes volteios
de palpitações trémulas adejando pelo rosto.
Beijava os teus olhos por dentro
beijava os teus olhos pensados
beijava-te pensando
e estendia a mão sobre o meu pensamento
corria para ti
minha praia jamais alcançada
impossibilidade desejada
de apenas poder pensar-te.

São mil e umas
as noites em que não bato à tua porta
e vens abrir-me

terça-feira, 31 de agosto de 2010

No mar que cada um de nós comporta - Ana Hatherly
















No mar que cada um de nós comporta,
A onda é o pequeno gesto
Dum grande movimento.
Quando se eleva,
À sua volta cresce a profundeza
Quando transborda,
Enquanto nos inunda se consome.

Mas entre o fluxo e o refluxo
Do mar que se consente,
A praia, indiferente,
Dorme.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Blue in Green (Miles Davis) - Ana Hatherly



A nostalgia urbana
dum Miles Davis
retrata New York
escura
     húmida
           sonora

Quando ele toca
há um abafado grito:
as pugentes notas
batem no ouvido

Orfãs da noite
batem na calçada
com os seus duros sons
amargurados

É um som que não chama
mas espera
enconsta-se
ao brilho das lâmpadas eléctricas

O Tempo
é uma solidão gemida
em longos
arrastados intervalos

Mergulhos no abandono:
Why remember at all?