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quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Poema de Natal (Navidad) - Vinicius de Moraes



Para isso fomos feitos:

Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos -
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.


Assim será a nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos -
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.

Não há muito que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez, de amor
Uma prece por quem se vai -
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.

Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte -
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Mónologo de Orfeu da Conceição - Vinicius de Moraes




Mulher mais adorada!

Agora que não estás,

deixa que rompa o meu peito em soluços

Te enrustiste em minha vida,

e cada hora que passa

É mais por que te amar

a hora derrama

o seu óleo de amor em mim, amada.


E sabes de uma coisa?

Cada vez que o sofrimento vem,

essa vontade de estar perto,

se longe

ou estar mais perto se perto

Que é que eu sei?

Este sentir-se fraco,

o peito extravasado

o mel correndo,

essa incapacidade de me sentir mais eu, Orfeu;

Tudo isso que é bem capaz

de confundir o espírito de um homem.

Nada disso tem importância

Quando tu chegas com essa charla antiga,

esse contentamento, esse corpo

E me dizes essas coisas

que me dão essa força,

esse orgulho de rei.

Ah, minha Eurídice


Meu verso, meu silêncio, minha música.

Nunca fujas de mim.

Sem ti, sou nada.

Sou coisa sem razão, jogada, sou pedra rolada.

Orfeu menos Eurídice: coisa incompreensível!

A existência sem ti é como olhar para um relógio

Só com o ponteiro dos minutos.

Tu és a hora, és o que dá sentido

E direção ao tempo,

minha amiga mais querida!

Qual mãe, qual pai, qual nada!

A beleza da vida és tu, amada

Milhões amada! Ah! Criatura!

Quem poderia pensar que Orfeu,

Orfeu cujo violão é a vida da cidade

E cuja fala, como o vento à flor

Despetala as mulheres -

que ele, Orfeu,

Ficasse assim rendido aos teus encantos?

Mulata, pele escura, dente branco

Vai teu caminho

que eu vou te seguindo

no pensamento

e aqui me deixo rente

quando voltares,

pela lua cheia

Para os braços sem fim do teu amigo

Vai tua vida, pássaro contente

Vai tua vida que estarei contigo.

In "Black Orpheus"

domingo, 21 de novembro de 2010

Valsa de Eurídice - Vinicius de Moraes



Tantas vezes já partiste

Que chego a desesperar

Chorei tanto, eu sou tão triste

Que já nem sei mais chorar

Oh, meu amado, não parta

Não parta de novo

Há na partida uma dor que não tem fim

Não há nada que conforte

A falta dos olhos teus

Pensa que a saudade

mais do que a propria morte

Pode matar-me

Adeus.
 
In "Black Orfeu"

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Poema dos Olhos da Amada - Vinicius de Moraes


Oh, minha amada

Que os olhos teus

São cais noturnos

Cheios de adeus


São docas mansas

Trilhando luzes

Que brilham longe

Longe nos breus



Oh, minha amada

Que olhos os teus

Quanto mistério

Nos olhos teus


Quantos saveiros

Quantos navios

Quantos naufrágios

Nos olhos teus



Oh, minha amada

Que olhos os teus

Se Deus houvera

Fizera-os Deus

Pois não os fizera

Quem não soubera

Que há muitas eras

Nos olhos teus



Ah, minha amada

De olhos ateus

Cria a esperança

Nos olhos meus

De verem um dia

O olhar mendigo

Da poesia

Nos olhos teus.

Soneto da Fidelidade _ Vinicius de Moraes


Catarina Furtado - Soneto da Fidelidade from Ricardo Barros Espírito Santo on Vimeo.



De tudo, meu amor serei atento

Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto

Que mesmo em face do maior encanto

Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento

E em seu louvor hei de espalhar meu canto

E rir meu riso e derramar meu pranto

Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure

Quem sabe a morte, angústia de quem vive

Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor ( que tive ) :

Que não seja imortal, posto que é chama

Mas que seja infinito enquanto dure.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Ausência - Vinicius Moraes


















Eu deixarei que morra

em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces

Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.

No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida

E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.

Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.

Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados

Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada

Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado.

Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.

Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.

Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite.

Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa.

Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.

E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.

Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos.

Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.

E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas.

Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.

Para Isso Fomos Feitos ... Vinicius de Moraes




Para isso fomos feitos:


Para lembrar e ser lembrados

Para chorar e fazer chorar

Para enterrar os nossos mortos

Por isso temos braços longos para os adeuses

Mãos para colher o que foi dado

Dedos para cavar a terra.



Assim será nossa vida:

Uma tarde sempre a esquecer

Uma estrela a se apagar na treva

Um caminho entre dois túmulos

Por isso precisamos velar

Falar baixo, pisar leve, ver

A noite dormir em silêncio.


Não há muito o que dizer:


Uma canção sobre um berço

Um verso, talvez de amor

Uma prece por quem se vai

Mas que essa hora não esqueça

E por ela os nossos corações

Se deixem, graves e simples.


Pois para isso fomos feitos: Para a esperança no milagre

Para a participação da poesia

Para ver a face da morte

De repente nunca mais esperaremos…

Hoje a noite é jovem; da morte, apenas

Nascemos, imensamente.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Ai de quem não rasga o coração... Vinicius de Moraes



















Quem já passou

Por esta vida e não viveu

Pode ser mais, mas sabe menos do que eu

Porque a vida só se dá

Pra quem se deu

Pra quem amou, pra quem chorou

Pra quem sofreu, ai


Quem nunca curtiu uma paixão

Nunca vai ter nada, não

Não há mal pior

Do que a descrença

Mesmo o amor que não compensa

É melhor que a solidão

Abre os teus braços, meu irmão, deixa cair

Pra que somar se a gente pode dividir?

Eu francamente já não quero nem saber

De quem não vai porque tem medo de sofrer

Ai de quem não rasga o coração

Esse não vai ter perdão



in "Poesia completa e prosa: "Cancioneiro""

sábado, 31 de julho de 2010

A esposa - Vinicius de Moraes



















"Às vezes, nessas noites frias e enevoadas

Onde o silêncio nasce dos ruídos monótonos e mansos

Essa estranha visão de mulher calma

Surgindo do vazio dos meus olhos parados

Vem espiar minha imobilidade.



E ela fica horas longas, horas silenciosas

Somente movendo os olhos serenos no meu rosto

Atenta, à espera do sono que virá e me levará com ele.

Nada diz, nada pensa, apenas olha – e o seu olhar é como a luz

De uma estrela velada pela bruma.

Nada diz. Olha apenas as minhas pálpebras que descem

Mas que não vencem o olhar perdido longe.

Nada pensa. Virá e agasalhará minhas mãos frias

Se sentir frias suas mãos.



Quando a porta ranger e a cabecinha de criança

Aparecer curiosa e a voz clara chamá-la num reclamo

Ela apontará para mim pondo o dedo nos lábios

Sorrindo de um sorriso misterioso

E se irá num passo leve

Após o beijo leve e roçagante...



Eu só verei a porta que se vai fechando brandamente...

Ela terá ido, a esposa amiga, a esposa que eu nunca terei".




in "O caminho para a distância"

in "Poesia completa e prosa: "O sentimento do sublime"

terça-feira, 27 de julho de 2010

Amor nos três pavimentos - Vinicius de Moraes



















Eu não sei tocar, mas se você pedir

Eu toco violino fagote trombone saxofone.

Eu não sei cantar, mas se você pedir

Dou um beijo na lua, bebo mel himeto

Pra cantar melhor.

Se você pedir eu mato o papa, eu tomo cicuta

Eu faço tudo que você quiser.



Você querendo, você me pede, um brinco, um namorado

Que eu te arranjo logo.

Você quer fazer verso? É tão simples!... você assina

Ninguém vai saber.

Se você me pedir, eu trabalho dobrado

Só pra te agradar.



Se você quisesse!... até na morte eu ia

Descobrir poesia.

Te recitava as Pombas, tirava modinhas

Pra te adormecer.

Até um gurizinho, se você deixar

Eu dou pra você...




in "Poesia completa e prosa: "A saudade do quotidiano"

domingo, 30 de maio de 2010

O Que Tinha de Ser - Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes

Porque foste na vida

A última esperança

Encontrar-te me fez criança


Porque já eras meu

Sem eu saber sequer

Porque és o meu homem


E eu tua mulher

Porque tu me chegaste

Sem me dizer que vinhas


E tuas mãos foram minhas com calma

Porque foste em minh'alma

Como um amanhecer

Porque foste o que tinha de ser!

Soneto do Amor Total - Vinicius de Moraes

domingo, 16 de maio de 2010

Mais antigos que o Silêncio - Vinicius de Moraes


ELES ERAM mais antigos que o silêncio ...

A perscrutar-se intimamente os sonhos

Tal como duas súbitas estátuas

Em que apenas o olhar restasse humano.

Qualquer toque, por certo, desfaria

Os seus corpos sem tempo em pura cinza.

A Remontavam às origens — a realidade

Neles se fez, de substância, imagem.

Dela a face era fria, a que o desejo

Como um hictus, houvesse adormecido

Dele apenas restava o eterno grito

Da espécie — tudo mais tinha morrido.

Caíam lentamente na voragem

Como duas estrelas que gravitam

Juntas para, depois, num grande abraço

Rolarem pelo espaço e se perderem

Transformadas na magma incandescente

Que milénios mais tarde explode em amor

E da matéria reproduz o tempo

Nas galáxias da vida no infinito.



Eles eram mais antigos que o silêncio...



Vinicius de Moraes, in 'O Operário em Construção'