sábado, 31 de julho de 2010

A esposa - Vinicius de Moraes



















"Às vezes, nessas noites frias e enevoadas

Onde o silêncio nasce dos ruídos monótonos e mansos

Essa estranha visão de mulher calma

Surgindo do vazio dos meus olhos parados

Vem espiar minha imobilidade.



E ela fica horas longas, horas silenciosas

Somente movendo os olhos serenos no meu rosto

Atenta, à espera do sono que virá e me levará com ele.

Nada diz, nada pensa, apenas olha – e o seu olhar é como a luz

De uma estrela velada pela bruma.

Nada diz. Olha apenas as minhas pálpebras que descem

Mas que não vencem o olhar perdido longe.

Nada pensa. Virá e agasalhará minhas mãos frias

Se sentir frias suas mãos.



Quando a porta ranger e a cabecinha de criança

Aparecer curiosa e a voz clara chamá-la num reclamo

Ela apontará para mim pondo o dedo nos lábios

Sorrindo de um sorriso misterioso

E se irá num passo leve

Após o beijo leve e roçagante...



Eu só verei a porta que se vai fechando brandamente...

Ela terá ido, a esposa amiga, a esposa que eu nunca terei".




in "O caminho para a distância"

in "Poesia completa e prosa: "O sentimento do sublime"