segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Mónologo de Orfeu da Conceição - Vinicius de Moraes




Mulher mais adorada!

Agora que não estás,

deixa que rompa o meu peito em soluços

Te enrustiste em minha vida,

e cada hora que passa

É mais por que te amar

a hora derrama

o seu óleo de amor em mim, amada.


E sabes de uma coisa?

Cada vez que o sofrimento vem,

essa vontade de estar perto,

se longe

ou estar mais perto se perto

Que é que eu sei?

Este sentir-se fraco,

o peito extravasado

o mel correndo,

essa incapacidade de me sentir mais eu, Orfeu;

Tudo isso que é bem capaz

de confundir o espírito de um homem.

Nada disso tem importância

Quando tu chegas com essa charla antiga,

esse contentamento, esse corpo

E me dizes essas coisas

que me dão essa força,

esse orgulho de rei.

Ah, minha Eurídice


Meu verso, meu silêncio, minha música.

Nunca fujas de mim.

Sem ti, sou nada.

Sou coisa sem razão, jogada, sou pedra rolada.

Orfeu menos Eurídice: coisa incompreensível!

A existência sem ti é como olhar para um relógio

Só com o ponteiro dos minutos.

Tu és a hora, és o que dá sentido

E direção ao tempo,

minha amiga mais querida!

Qual mãe, qual pai, qual nada!

A beleza da vida és tu, amada

Milhões amada! Ah! Criatura!

Quem poderia pensar que Orfeu,

Orfeu cujo violão é a vida da cidade

E cuja fala, como o vento à flor

Despetala as mulheres -

que ele, Orfeu,

Ficasse assim rendido aos teus encantos?

Mulata, pele escura, dente branco

Vai teu caminho

que eu vou te seguindo

no pensamento

e aqui me deixo rente

quando voltares,

pela lua cheia

Para os braços sem fim do teu amigo

Vai tua vida, pássaro contente

Vai tua vida que estarei contigo.

In "Black Orpheus"