quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Agora que morri de um amor incurável_ Mª Rosário Pedreira


Agora que morri de um amor incurável já não consigo
lembrar o que doeu. Olho o meu corpo estendido
sobre a cama e dou comigo a descrever a sua geografia
com o rigor invejável de um compêndio ― mas como
alguém que apenas conhecesse o mundo pelos mapas.


A morte separa-nos da dor e da sua memória ― se dobrares
neste instante o ângulo do corredor que conduz ao meu
quarto, decerto saberei o teu nome e os nomes das flores
que me trouxeres ― mas já terei esquecido o desencanto
de não as ter recebido noutro tempo, quando morrer de amor
não tinha ainda perdido o efémero estatuto de metáfora.