terça-feira, 17 de agosto de 2010

Canta, Canta ... Joaquim Pessoa

















Quanto deves é à vida, o que deves é a ti mesmo. Canta.
Canta a água e a montanha e o pescoço do rio,
e o beijo que deste e o beijo que darás, canta
o trabalho doce da abelha e a paciência com que crescem
as árvores,
canta cada momento que partilhas com amigos, e cada
amigo
como um astro que desponta no firmamento breve do teu
corpo.
E canta o amor. E canta tudo o que tiveres razão para
cantar.

E o que não souberes e o que não entenderes, canta.
Não fujas da alegria. A própria dor ajuda-te a medir
a felicidade. Carrega nos teus ombros os séculos passados e
os séculos vindouros,
muito do pó que sacodes já foi vida, talvez beleza, orgulho,
pedaços de prazer.

A estrela que contemplas talvez já não exista, quem sabe,
o que te ajudou a ser vida de quantas vidas precisou. Canta!

Se sentires medo, canta. Mas se em ti não couber a alegria,
não pares de cantar.

Canta. Canta. Canta. Canta. Canta. constrói o teu amor,
vive o teu amor,
ama o teu amor. De tudo o que as pessoas querem, o que mais querem é o amor.

Sem ele, nada nunca foi igual, nada é igual, nada será igual
alguma vez.

Canta. Enquanto esperas, canta.

Canta quando não quiseres esperar.

Canta se não encontrares mais esperança. E canta quando a
esperança te encontrar.

Canta porque te apetece cantar e porque gostas de cantar e
porque sentes que é preciso cantar.

E canta quando já não for preciso. Canta porque és livre.
E canta se te falta a liberdade.

(...)

in Vou-me embora de mim, Ed. Hugin, 2000, págs. 21-23