sábado, 21 de agosto de 2010

Poema V, A Frederico García Lorca _ Hilda Hilst


















Companheiro, morto desassombrado, rosácea ensolarada

quem senão eu, te cantará primeiro. Quem senão eu

pontilhada de chagas, eu que tanto te amei, eu

que bebi na tua boca a fúria de umas águas

eu, que mastiguei tuas conquistas e que depois chorei

porque dizias: “amor de mis entrañas, viva muerte”.

Ah! Se soubesses como ficou difícil a Poesia.

Triste garganta o nosso tempo, TRISTE TRISTE.

E mais um tempo, nem será lícito ao poeta ter memória

e cantar de repente: “os arados van e vên

dende a Santiago a Belén”.



Os cardos, companheiro, a aspereza, o luto

a tua morte outra vez, a nossa morte, assim o mundo:

deglutindo a palavra cada vez e cada vez mais fundo.

Que dor de te saber tão morto. Alguns dirão:

Mas se está vivo, não vês? Está vivo! Se todos o celebram

Se tu cantas! ESTÁS MORTO. Sabes por quê?


“El passado se pone

su coraza de hierro

y tapa sus oídos

con algodón del viento.

Nunca podrá arrancársele

un secreto.”


E o futuro é de sangue, de aço, de vaidade. E vermelhos

azuis, braços e amarelos hão de gritar: morte aos poetas!

Morte a todos aqueles de lúcidas artérias, tatuados

de infância, de plexo aberto, exposto aos lobos. Irmão.

Companheiro. Que dor de te saber tão morto.




In,  "Poemas aos homens de nosso tempo”.