segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Os Olhos do Poeta - Manuel da Fonseca













O poeta tem olhos de água para reflectirem todas as cores do mundo,

e as formas e as proporções exactas, mesmo das coisas que os sábios desconhecem.

Em seu olhar estão as distâncias sem mistério que há entre as estrelas,

e estão as estrelas luzindo na penumbra dos bairros da miséria,

com as silhuetas escuras dos meninos vadios esguedelhados ao vento.

Em seu olhar estão as neves eternas dos Himalaias vencidos

e as rugas maceradas das mães que perderam os filhos na luta entre as pátrias

e o movimento ululante das cidades marítimas onde se falam todas as línguas da terra

e o gesto desolado dos homens que voltam ao lar com as mãos vazias e calejadas

e a luz do deserto incandescente e trémula, e os gestos dos pólos, brancos, brancos,

e a sombra das pálpebras sobre o rosto das noivas que não noivaram

e os tesouros dos oceanos desvendados maravilhando com contos-de-fada à hora da infância

e os trapos negros das mulheres dos pescadores esvoaçando como bandeiras aflitas

e correndo pela costa de mãos jogadas pró mar amaldiçoando a tempestade:

- todas as cores, todas as formas do mundo se agitam e gritam nos olhos do poeta.

Do seu olhar, que é um farol erguido no alto de um promontório,

sai uma estrela voando nas trevas

tocando de esperança o coração dos homens de todas as latitudes.

E os dias claros, inundados de vida, perdem o brilho nos olhos do poeta

que escreve poemas de revolta com tinta de sol na noite de angústia que pesa no mundo.